Considero que o artigo escrito e publicado pelo Dr. João Cerqueira, na página de facebook Scimed – Ciência Baseada na Evidência, e no blog com o mesmo nome, não está devidamente  fundamentado e, aliás, em várias afirmações o que é utilizado como fundamento científico acaba por ser contraditório com as conclusões do autor. Lamentavelmente, o texto não promove aquilo que hoje sabemos ser a melhor evidência existente, antes pelo contrário, essencialmente por três razões:

1. Desconhecimento factual teórico e prático do uso do Misoprostol – Cytotec e Misodel (Mysodelle) em Obstetrícia.

2. Apesar de terem sido colocados links de referências científicas, por diversas vezes, o que é transmitido aos leitores é diferente do que as respectivas fontes facultam e concluem.

3. Foi dada informação errada relativamente a conteúdos da Biblioteca Cochrane, e omitida informação mais recente.

Com base em diversas citações da publicação em questão, passo a concretizar as três razões, devidamente referenciadas, citando as referências utilizadas no artigo, e acrescentando as que sustentam esta análise.

1. Desconhecimento factual teórico e prático do uso do Misoprostol – Cytotec e Misodel (Mysodelle) em Obstetrícia

1.1. Misoprostol Off-Label em Urologia e Pediatria/Cirurgia Pediátrica

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Citação SCIMED

E no caso da Prostaglandina E1/Misoprostol, para além de ser utilizado na área de Gastroenterologia e Obstetrícia, também é utilizado na área da Urologia para tratamento da disfunção eréctil e na área da Pediatria/Cirurgia Pediátrica para impedir a oclusão do canal arterial em bebés com cardiopatia congénita que necessitem de ser operados.

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Análise Crítica

O autor do SCIMED de forma a demonstrar que a Obstetrícia não era a única especialidade a usar o Misoprostol off-label, referiu a Urologia e Cirurgia Pediátrica, quando não é usado nem para disfunção eréctil, nem para cirurgia cardio-pediátrica. Confundiu o misoprostol(1) com uma substância (e fármacos) diferente, o Alprostadilo(2), apesar de ambas serem Prostaglandinas E1

1.2. Misoprostol registado para uso obstétrico – Misodel(Mysodelle) e Angusta

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Citação SCIMED

“Mas nem sequer é o caso do Misoprostol… Já existe indicação explícita para ser utilizado na indução do parto na União Europeia, desde Janeiro de 2016, seja em comprimidos vaginais seja como sistema de libertação prolongada. Em cinco países nórdicos já existe o AngustaMisoprostol oral aprovado para a indução do trabalho de parto.” 

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Análise Crítica

A forma como o Misodel/Mysodelle foi abordado nesta publicação revela um claro desconhecimento do lado prático da obstetrícia em Portugal e não só. Se o Misodel/Mysodelle demonstrou ter mais efeitos adversos comparativamente à dinoprosterona, e com um custo bastante superior (1), claro que estava destinado ao fracasso. Não chega um medicamento ser registado, tem, também, que ser efectivamente reconhecido na prática clínica o seu custo-benefício e segurança. Em Janeiro de 2018 a Ferring lança um comunicado de alerta aos profissionais de saúde sobre os efeitos adversos do Mysodelle(2). Basicamente o  Misodel/Mysodelle  “nasceu e morreu”, e será retirado do mercado a nível mundial, como pude confirmar junto da farmacêutica Ferring por e-mail .

Quanto ao Angusta (25 ug, de administração oral, o que é recomendado pela Biblioteca Cochrane) é sem dúvida um medicamento cujo processo de registo deixa qualquer pessoa em alerta e com muitas perguntas. Basicamente este medicamento foi registado ao abrigo de um programa de uso compassivo (3), o que vai contra tudo o que possa fazer sentido no contexto do Misoprostol e induções (4, 5), e foi, portanto, alvo de crítica na Dinamarca (6).  Não deixa de ser intrigante que apesar de 29.000 mulheres terem sido induzidas ao abrigo de um programa de uso compassivo, e mesmo assim, nem a segurança, nem a eficácia foram comprovadas (3).

1.3. Misodel em Portugal

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Citação SCIMED

“Em Portugal apenas temos o sistema de libertação prolongado. Ou seja, significa que o Misoprostol é utilizado em regime Off-label quando utilizado por via oral ou vaginal após fraccionamento do medicamento.”

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Análise Crítica

O autor fez passar a ideia de que o Misoprostol em Portugal poderia até nem ser de uso off-label devido ao Misodel. Enquanto escrevia o livro Nascer Saudável, confirmei junto dos profissionais que este medicamento não estava a ser usado em Portugal. Mas desta vez fui mais longe e questionei a própria farmacêutica, e obtive de um porta-voz da Ferring a seguinte resposta:

“Exma. Sra. D. Sandra Oliveira,

A Ferring autoriza a divulgação da seguinte informação abaixo:

O grupo Ferring decidiu voluntariamente descontinuar o fabrico e distribuição dos sistemas de libertação vaginal contendo como substância ativa o Misoprostol a nível mundial.

Trata-se uma decisão de negócio com o objetivo de racionalizar o nosso portfolio.

Este medicamento nunca foi vendido em Portugal.

Ou seja, em Portugal o Misoprostol (Cytotec) usado em Obstetrícia é sim, sempre, de uso off-label. Uma demonstração clara do desconhecimento prático sobre o Misoprostol para induções em Portugal.

1.4. Asma e pré-eclâmpsia

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Citação SCIMED

Em contraste com PGE2, o Misoprostol pode ser usado em pacientes com asma e pré-eclâmpsia.” 

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Análise Crítica

O autor SCIMED fez uma afirmação errada sobre o Misoprostol, e que fundamentou de forma falaciosa. Como referência foi usado um artigo de opinião sobre o uso off-label do Misoprostol, quando o respectivo artigo não aborda sequer o uso do Misoprostol nessas patologias. Ou seja, nesta frase procurou dar-se a ideia de mais uma vantagem do Misoprostol (prostaglandina E1) em relação à dinoprosterona (prostaglandina E2), quando ambas as substâncias activas podem ser usadas tanto em caso de asma (1, 2,3), como de pré-eclâmpsia (4). Relativamente à pré-eclâmpsia não foi referenciada a Cochrane, com uma revisão de 2014 sobre o assunto (4), demonstrando o autor SCIMED  pouco rigor nas fontes de sustentação do artigo.

1.5. Recomendações Misoprostol em Obstetrícia

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Citação SCIMED

“Desafio o leitor a consultar todas as normas de Obstetrícia e mais algumas e ver o que dizem do Misoprostol.” SCIMED

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Análise Crítica

Efectivamente a maioria das recomendações consideram o Misoprostol para maturação cervical, mas dizer “todas e mais algumas”, é incorrecto. Países como o Reino Unido (1), a Austrália (2) e o Japão (3) mantêm o Misoprostol  fora das suas recomendações. Em França, no início de 2018 o Cytotec foi retirado do mercado pela farmacêutica Pfizer, devido aos efeitos adversos do seu uso em ginecologia e obstetrícia(4, 5). Portanto, o que eu disse no programa A Tarde é Sua sobre o Reino Unido e o Misoprostol é verdade, e quem fez incorrer os leitores em erro foi a publicação do SCIMED.

1.6. Reino Unido e o Mysodelle

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Citação SCIMED

“No caso da NICE, que fez a análise do Misoprostol em 2014, não o aconselha na indução do parto porque não demonstrou superioridade à Dinoprostona (Prostaglandina E2), sendo mais caro que esta solução e por maior risco de hiperestimulação/tacossistolia uterina, de acordo com o estudo EXPEDITE (vamos falar disso mais abaixo).”

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Análise Crítica

O autor SCIMED deveria ter referido Mysodelle (fármaco) em lugar de Misoprostol (substância activa), assim como eu no programa A Tarde é Sua deveria ter referido Cytotec (fármaco), em vez de Misoprostol (substância activa). Preciosismos, mas que podem fazer a diferença, é um facto.

Esta frase baralha os leitores, dando a entender que o Misoprostol não constava das recomendações do Reino Unido devido ao factor preço e aos resultados do estudo Expedite. Acontece que a análise que o NICE fez não foi do Misoprostol comumente usado, o Cytotec, mas sim do Mysodelle (Misodel), o tal fármaco recente e que vai ser retirado do mercado a nível mundial. Como anteriormente foi referido no Reino Unido o Misoprostol (Cytotec) só está indicado para induções em caso de morte fetal, e o Mysodelle não foi considerado nas recomendações do NICE.

1.7. Misoprostol e a nossa DGS

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Citação SCIMED

“Porque, diz a Sra. Doula, “os médicos são quem está a utilizar este fármaco off-label, contra todas as normas, incluindo da nossa Direção Geral de Saúde“. O que é mais uma aldrabice.”

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Análise Crítica

Como se pode verificar na minha intervenção no programa A Tarde É Sua, referia-me à norma da DGS sobre o Consentimento Informado Escrito (1). A ausência de referência ao consentimento informado, por parte do autor do SCIMED, leva a pensar que não só desconhece esta norma da DGS, como o procedimento em si. O consentimento informado faz parte de uma boa conduta clínica, actual (2), e torna-se ainda mais importante quando se trata de medicamentos off-label, mesmo que sejam usados “à força toda”, fazendo uso de palavras do Dr. João Cerqueira. Por existir alternativa ao Misoprostol off-label para indução do parto – a dinoprosterona – o consentimento informado eleva-se a outra dimensão, com obrigatoriedade de maior detalhe, na garantia dos direitos básicos dos cidadãos (3).

O facto da DGS (ou qualquer outra organização que emita recomendações) referir o Misoprostol na sua norma (4), não é sinónimo de uma garantia de segurança para as Mulheres (5), pois a norma da DGS, ao colocar como hipótese a via de administração vaginal (e 50 µg de dosagem), não reflecte o melhor conhecimento científico existente sobre o Misoprostol para induções, nomeadamente a revisão da Cochrane de 2014. A acrescentar à questão científica, não fez igualmente menção ao facto de o Misoprostol ser off-label, e portanto, carecer de um Consentimento Informado escrito, ao abrigo da norma 15/2013.

Resumindo, o autor do SCIMED apesar de querer transmitir uma mensagem de promoção de informação científica e boas práticas, demonstrou não fazê-lo, ao não reconhecer o melhor conhecimento existente para o Misoprostol em induções. Não teve também sentido crítico nem isenção para com os seus pares, e foi displicente ao omitir a temática do consentimento informado, fundamental na prática clínica.

2. Apesar de terem sido colocados links de referências científicas, por diversas vezes, o que é transmitido aos leitores é diferente do que as respectivas fontes facultam e concluem.

2.1. Reino Unido, Misoprostol e alterações das recomendações do NICE

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Citação SCIMED

“No entanto, o UK National Institute of Health Research (NIHR) vem colocar em causa esta avaliação, fazendo uma análise de custo-efetividade que incluiu 31 regimes de indução avaliados em 611 ensaios com mais de 100.000 participantes e onde o Misoprostol oral titulado em baixa dose foi identificado como o método mais eficaz em termos de custo e também apresentou um perfil de segurança favorável. Uma revisão sistemática e meta-análise de 2015 aponta no mesmo sentido. Ou seja, é possível que a recomendação da NICE venha a ser modificada com a aquisição de novos dados. Principalmente no caso do Misoprostol oral em baixa dose.”

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Análise Crítica

Claramente a sequência que se fez destas duas revisões carece de rigor e verdade científica. Na de 2015 (segunda referência usada) foi analisada apenas a eficácia das prostaglandinas, e na de 2016 (primeira referência usada, sem a data ser mencionada), foi analisado o custo-eficácia de todos os métodos de indução, ou seja, a de 2016 mais abrangente e completa que a primeira, e não o contrário, como se dá a entender no artigo do SCIMED.

Podemos verificar que nas recomendações para indução do trabalho de parto na Austrália, a não segurança do Misoprostol, e exclusão desta substância, tem como referência esta última meta-análise de 2016 . Ou seja, não faz qualquer sentido passar a ideia de que as orientações do NICE poderão vir a ser alteradas com base nestas conclusões, visto que os investigadores assumem que há que continuar a investigação no custo-eficácia ( e claro na segurança como uma leitura atenta da revisão nos faz perceber).

2.2. Dosagem e segurança

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Citação SCIMED

“Agora, se o fraccionamento manual é realizado, não deveria ser por uma questão de garantia de uniformização de dose. Se coloca em perigo a grávida e o feto? Dificilmente já que a dose do Misoprostol aconselhada são os 25 ug, mas pode ir aos 50 ug  (artigo e artigo) e existem vários estudos com dosagens superiores – até 200 ug .”

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Análise Crítica

O autor SCIMED quis passar a mensagem de que apesar do fracionamento manual não ser recomendado, que tanto isso, como dosagens entre as 20 μg e as 200 μg, não colocariam as grávidas e os fetos em risco. Ao analisar as respectivas fontes verifico que:

1ª fonte – É um estudo primário de controlo randomizado (considerados de melhor qualidade, mas de pouca força para implicações clínicas por ser individual) e que analisou a comparação entre uma dose única vaginal de 50 μg e doses múltiplas de 25 μg. Sendo a via de administração a vaginal, lamento até que tenha sido usado como referência. No entanto, concluiu que uma dose única de 50 μg seria eficaz para obtenção de partos vaginais em 24 horas.

2ª fonte – É uma meta-análise (portanto de maior força científica), que mais uma vez a via de administração analisada é a vaginal. Contudo, como se pode verificar, por questões de segurança a dosagem recomendada é de 25 μg. No entanto, existe uma crítica (a) que apesar de um dos autores ter conflito de interesses, os comentários que faz a esta meta-análise são bem pertinentes.

3ª fonte – Trata-se de um artigo de alguns dos autores de revisão sistemática de 2016 sobre o custo-eficácia de vários métodos de indução, que vem apelar para que os protocolos de indução com Misoprostol se resumam de uma vez por todas a 25 μg de administração oral, para que efectivamente mais investigação fiável seja obtida. Alerta inclusive para a enorme disparidade de dosagens.

Lamentavelmente, o autor não  considerou na questão da segurança a já assumida por si fonte de credibilidade, a Biblioteca Cochrane, e a última revisão sobre o Misoprostol para induções(4).

Mais, a própria FDA (Food and Drug Administration) dos E.U.A. (a homologa do nosso INFARMED) alerta que a segurança do Misoprostol em grávidas não está confirmada(5).

O autor do SCIMED fez passar uma perigosa mensagem de segurança do Misoprostol, mesmo em situações de dosagens num intervalo entre as 20 ug e as 200 ug, isto é 10 vezes superior à dosagem mínima. Em momento algum foi referida a importância da via de administração ser efectivamente a oral.

2.3. Preço e “vantagens”

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Citação SCIMED

Segundo uma Cochrane de 2010 o misoprostol vaginal, quando comparado à PGE2 vaginal está associado a uma maior taxa de parto vaginal em 24 horas, menor necessidade de anestesia regional e menor necessidade de aumento de oxitocina. Portanto, parece que a questão “preço” é bastante secundária a todas as vantagens oferecidas pelo Misoprostol. Se quiserem saber mais sobre as vantagens do misoprostol, aqui.

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Análise Crítica

O autor encaminha os leitores para duas referências. A primeira, é uma revisão da Cochrane que tem bem explícito que existe uma outra revisão em que anula a administração por via vaginal como uma possibilidade, mas que lamentavelmente o autor SCIMED considerou como uma via de administração cientificamente fundamentada, ignorando as conclusões do autor da revisão. A segunda, uma referência que de todo tem por objectivo informar sobre “as vantagens do Misoprostol”. É sim o artigo dos mesmos investigadores de várias meta-análises e revisões sistemáticas (já referidos anteriormente : AD Weeks,K Navaratnam,e Z Alfirevic),  e que neste último artigo escrito em 2017,  vêm solicitar que, de uma vez por todas, a dosagem e via de administração do Misoprostol usada em obstetrícia seja a considerada pela revisão da Cochrane: 25 ug via oral, para que mais investigação possa ser conduzida. As vantagens que estão claramente reconhecidas no Misoprostol para induções são: partos vaginais induzidos em menos de 24H, estabilidade à temperatura ambiente (o que felizmente para os hospitais portugueses não deveria ser um problema) e o baixo custo.  Resumindo: afirmo e sustento o que disse no programa A Tarde é Sua.

2.4. Misoprostol e a cesariana anterior

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Citação SCIMED

“De facto, no caso de mulheres com cesariana prévia, o risco de rutura uterina parece ser maior. E por causa disso, surgiu essa contra-indicação que também está explícita em todas as guidelines colocadas acima. Mas mesmo essa contra-indicação é baseada em estudos de má qualidade, como aponta esta revisão de 2015, pelo que é possível que tal venha a ser modificado:

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Análise Crítica

A referência usada pelo SCIMED é um artigo de revisão (1) e não uma revisão sistemática, como se pode confundir pelas palavras do autor. Não tem por objectivo que o Misoprostol passe a ser usado em cesarianas anteriores, mas sim, frisar que a fundamentação que existe é insuficiente, e levantar a questão sobre, se o Misoprostol deve continuar a não ser prescrito em induções com cesarianas anteriores. Mais uma vez o autor deu supremacia a um artigo de fraca qualidade para sustentar a ideia que faz querer passar de total segurança do Misoprostol, incluindo até em cesarianas anteriores, e não usou referências de alta qualidade científica ( revisões sistemáticas), como a Biblioteca Cochrane, mais especificamente uma revisão de 2017 (2) sobre o tema, e que explicarei melhor no grupo três desta análise à publicação do SCIMED.

2.5. Misoprostol e a taquissistolia

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Citação SCIMED

Agora, a Sra. Doula pode querer transmitir que a hiperestimulação uterina/taquissistolia pode não ser reversível com tocolíticos quando se usa o Misoprostol (apesar de ser extremamente raro). Nesses casos, deve proceder-se à cesariana de emergência. É por isso que a indução de parto com estes fármacos deve ser realizada em instalações capazes de dar resposta a estas situações. Mas, o mais engraçado, é que existe controvérsia sobre o risco da hiperestimulação uterina para o bebé. Um estudo recente, que vem acrescentar à evidência existente, aponta para um risco de efeitos adversos praticamente ausente quando ocorre hiperestimulação uterina/taquissistolia provocada pelo misoprostol ou outros indutores do parto.

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Análise Crítica

O autor SCIMED continua a demonstrar total desconhecimento da prática obstétrica em Portugal, baralhando o Misoprostol – Misodel (Mysodelle), com o Misoprostol- Cytotec, sendo que o primeiro não foi sequer comercializado em Portugal.   Procurou  desvalorizar um dos efeitos adversos mais preocupantes, a taquissistolia (hiperestimulação uterina), pelo recurso possível a tocolíticos ( fármacos para diminuir a frequência e intensidade das contrações).

Ao analisar as fontes verifico que:

1ª Fonte – Trata-se de um comunicado do Governo do Reino Unido a alertar para o risco que o Mysodelle  pode representar por taquissistolia e não resposta aos tocolíticos. Ou seja, um fármaco que nada tem a ver com o Misoprostol usado em Portugal, mas que, mostrou que 200 ug de Misoprostol, mesmo em dispositivo de libertação vaginal, teve uma incidência de hiperestimulação de 13%.

Parece que só o autor do SCIMED é que entendeu que a não resposta aos tocolíticos seria um risco “extremamente raro”, visto que essa situação fez com que a farmacêutica  emitisse um comunicado aos profissionais de saúde, como já foi anteriormente referenciado (3) . Em Outubro de 2018 é publicado um artigo patrocinado pela Ferring,  de análise entre o misoprostol e a dinoprosterona (4). Uma leitura que ajuda a entender as razões que podem ter levado a Ferring à decisão de retirar o fármaco do mercado, e que corrobora muitas das minhas preocupações sobre o misoprostol.

2ª Fonte – O autor entende como “engraçada” a controvérsia sobre os riscos que a hiperestimulação pode representar para o bebé, e usa como suporte para sustentar a ideia de “controvérsia” um estudo com uma amostra reduzida. O que não é de todo “engraçado” é o autor SCIMED preferir estudos de pouca força comparativamente com revisões da Cochrane (5), mais recentes, e já publicadas à data em que o artigo foi escrito. É que estudos consegue-se encontrar para praticamente tudo o que queremos argumentar. A referência 6, por exemplo, demonstra o oposto do que o estudo que o SCIMED evocou, e com uma amostra bem superior.

2.6. A taxa de mortalidade infantil e os obstetras portugueses

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Citação SCIMED

Uma salva de palmas para todos os Obstetras. A mortalidade infantil em 2017 atingiu o valor mais baixo desde que há registos. E sem precisar de ler livros de Doulas! Mais incrível, apesar de utilizarem venenos como o Misoprostol!  Incrível! Já disse incrível? É que eles tentam ser mauzões e “violentarem obstetricamente” as grávidas mas continuam a ser cada vez mais bem sucedidos no que fazem…aqui temos um paradoxo engraçado para investigar.

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Análise Crítica

O ano em que a taxa de mortalidade infantil foi a “mais baixa desde que há registos” foi 2010, com 2,5, e não 2017. O ano de 2017 foi realmente um ano de nova descida, mas em 2018 os números voltaram aos 3,2 (mas isso o autor SCIMED não sabia, tendo em conta que o artigo foi escrito antes de 2018 ter findado). A mortalidade infantil define-se pelo número de crianças que morrem até ao um ano de idade por cada 1.000 nascimentos, e que, portanto, se há especialidade médica a “aplaudir” é a de Pediatria.

O autor deveria ter recorrido a  indicadores que reflectem melhor os cuidados em obstetrícia, nomeadamente a mortalidade perinatal (fetos que nascem sem vida, ou bebés que morrem na primeira semana), neonatal (bebés que morrem no primeiro mês de vida) e a materna (mortes de mulheres devido a gravidez ou após o parto por cada 100.000). Focando-me no ano de 2017, para que possa ser comparável, os números foram:
Perinatal – 3,3 (em 2016 foi de 3,9 e 2018 de 4)

Neonatal – 1,8 (em 2016 foi de 2,3 e 2018 de 2,1)

Materna – 10,4 (em 2016 foi de 8)

São efectivamente número quantitativos que nos posicionam muito bem a nível mundial desde há 50 anos. Mas convém fazer uma pausa nos aplausos que já duram meio século, para que os números qualitativos possam ser efectivamente melhorados. Pois indicadores de qualidade em saúde materno-infantil como a taxa de cesarianas, de episiotomia, de prematuridade, mostra-nos que estamos entre os piores da Europa (2,3). Relativamente aos números de mortalidade materna de 2017, de momento, aguardam uma justificação absoluta, que ao abrigo da portaria nº 310/ 2016 (4) não se entende como estão por apurar.

Resumindo, estes são “aplausos” antigos e esgotados, como analisei no livro Nascer Saudável no capítulo 2, “ O Estado da nossa Nação”.

3. Foi dada informação errada relativamente a conteúdos da Biblioteca Cochrane, e omitida informação mais recente.

3.1. Misoprostol vaginal vs dinosprosterona

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Citação SCIMED

“Segundo uma Cochrane de 2010 o misoprostol vaginal, quando comparado à PGE2 vaginal está associado a uma maior taxa de parto vaginal em 24 horas, menor necessidade de anestesia regional e menor necessidade de aumento de oxitocina.”

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Análise Crítica

O autor coloca em vantagem a eficácia ( partos vaginais em 24 horas) versus a segurança ( menos efeitos adversos), isto é, o autor não referiu, e que a conclusão desta revisão da Cochrane refere, é que, por um lado, o Misoprostol vaginal apesar de mais eficaz, tem maior incidência de hiperestimulação uterina (logo menos seguro pelo risco de sofrimento fetal). Por outro, esta mesma revisão da Cochrane, para que não haja dúvidas refere que “A via de administração vaginal não deve continuar a ser investigada, pois outra revisão Cochrane mostrou que a via oral de administração é preferível à via vaginal.” Basicamente o SCIMED transmite uma informação nada rigorosa sobre o conteúdo em causa da Cochrane.

3.2. Misoprostol e segurança em cesariana prévia

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Citação SCIMED

“Pelos vistos, segundo uma revisão da Cochrane de 2014, o Misoprostol oral será dos fármacos mais seguros em mulheres com cesariana prévia.”

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Análise Crítica

Com base no já referido artigo de revisão, foi transmitida a perigosa mensagem de que o Misoprostol até em induções com cesarianas anteriores seria seguro, usando incorrectamente a revisão da Biblioteca Cochrane de 2014 (1), quando a Cochrane alerta precisamente para o oposto. Mais, existe uma revisão de 2017 (2) que reafirma a não indução com Misoprostol em cesarianas anteriores, e não foi sequer referenciada. Fica-se com a ideia de que o autor nem sequer leu as respectivas revisões da Cochrane, mas apenas o artigo onde foi referida.

Resumo

” “ na ausência de condições de risco de vida para a mãe e o bebé, não há consenso sobre o que constitui um risco aceitável de indução do parto. É provável que a maioria dos pais e dos clínicos não estejam preparados para aceitar um aumento dos resultados adversos de 0,5% para 1%. De facto, é de esperar que as mulheres estejam dispostas a estar mais tempo nas salas de parto, se isso significar um parto mais seguro, mas há uma assinalável falta de dados sobre isso. Na verdade, a maioria dos estudos nesta revisão não avaliou as opiniões das mulheres nem os índices de satisfação. Os dados actualmente disponíveis estão longe de ser suficientes para lidar com a questão da segurança quer do processo de indução, quer, a longo prazo, de seguimento dos bebés expostos ao misoprostol.
É importante reiterar aqui que ‘nenhuma evidência de diferença’, nesta revisão da Cochrane, não significa ‘evidência de nenhuma diferença’. Por outras palavras, quanto mais dados randomizados ficarem disponíveis, mais visíveis se tornam as pequenas mas importantes diferenças clínicas entre os vários regimes, isto é, mais estatisticamente significativas se tornam. Para avaliar a questão dos efeitos adversos fetais, são necessários estudos ou meta-análises com força suficiente, com uma amostra além das 30 mil mulheres. Até se ter os recursos logísticos e financeiros disponíveis para se conduzir tais estudos, deve-se encontrar alternativas para avaliar os riscos. Uma hipótese é fazer-se o registo das mulheres que foram induzidas com misoprostol.”

Cochrane Library
Oral Misoprostol for induction of labor

( tradução dos dois últimos parágrafos da secção “Risk of Induction”)

April 2014

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