“Sinto necessidade de esclarecer, em tom de protesto, o porquê de ter optado por reunir todas as condições necessária para que fosse possível ter uma parto domiciliar”


Antes de descrever momentos tão intensos que vivi sinto necessidade de esclarecer, em tom de protesto, o porquê de ter optado por reunir todas as condições necessária para que fosse possível ter uma parto domiciliar, e digo isto porque tenho bem consciente da complexidade do parto, porque o estudei e muni-me de toda a informação que achei necessária para tomar esta decisão, não foi portanto um acto deliberado, inconsciente ou uma tentativa de marcar a diferença porque “agora está na moda” como cheguei a ouvir.
Pois bem, na minha perspectiva a grande moda é o parto Hospitalar, na medida em que a maior parte das futuras mães, por medos, receios, porque assim se assumiu que deve ser ou até mesmo por nem terem interesse em saber ao certo o que é o parto, se entregam nas mãos de desconhecidos com a convicção de que estes é que estudaram, é que sabem como agir perante o parto, quando na verdade este é o acto mais natural desde o primórdio da Humanidade. Não quero com isto dizer que desprezo o parto Hospitalar ao ponto de o achar desnecessário, não, prefiro pensar nele como recurso, porque reconheço que em alguns casos poderá ser necessário recorrer ao Hospital, por diversas razões não por imposições, se é que me faço entender.
Quanto ao parto domiciliar, para surpresa de alguns, evoluiu! Não é como antigamente que mal se fazia vigilância da gravidez, que no momento do parto o pai fica na sala a espera de ouvir o bebé chorar, sinal de que já nascera e enquanto isto não acontecia se vêem mulheres a correr do quanto para a cozinha e da cozinha para o parto com bacias de água quente e paninhos e sussurram ao pai tenha calma que está quase. Passou-me muitas vezes pela cabeça que era esta a visão que muita gente tinha quando eu dizia que tinha tido um parto domiciliar.
Ora bem, quanto à minha experiencia pessoal ao longo desta viagem, que para minha surpresa, ainda estou a fazer, fui-me apercebendo de alguns actos e convicções que tinha inconscientemente. Desde que me conheço enquanto mulher que desejo para mim um parto em que pudesse ser eu e o meu bebé a definir o caminho, num espaço onde eu tivesse tido tempo para criar “o ninho”, que me transmite-se segurança, confiança e conforto, surpreendentemente sempre tive consciente que este seria um processo que me traria algum desconforto físico, alguma dor mas que nunca me assustou. Chegado o momento de ser mãe, esta mesma convicção acentuou-se ainda mais, e o processo tornou-se mais exaustivo, na medida em que agora para além de mim e do bebe também havia um pai, que na sua existência enquanto homem não entendia esta vontade e mais do que não entender achava insegura e sem sentido. É então, que pelas mãos de uma conhecida, se cruza no nosso caminho a Doula da nossa vida, Sandra Oliveira! Foi então que uma luzinha se acendeu, iria finalmente ter ajuda para mostrar, à única pessoa que eu sentia que tinha de entender e apoiar esta vontade, que esta convicção tinha razão de ser. De forma ligeira, começamos por fazer preparação para o parto, em grupo, com a Sandra, na minha íntima esperança poderia ser esta a forma de despertar no Hugo a consciência para o parto o que naturalmente num homem não existe, muito menos num primeiro parto. Na primeira aula senti, é ela quem me vai ajudar, mais ainda, é ela quem eu quero que me acompanhe neste processo que eu sabia, sozinha não seria possível, após esta aula, depois de uma breve apresentação onde assumi o meu desejo o que foi uma surpresa para a Sandra, fiquei a saber que para a data prevista para o parto do Rodrigo ela não iria estar no país… Foi quase como um murro no estômago, não entendi na altura porquê até porque ela me disse que se era esse o meu desejo, o facto de ela não estar não iria comprometer essa vontade, aconselhava-me alguma Doula da confiança dela para me acompanhar, mas não era isso que eu queria, que eu sentia.
Fizemos na mesma as aulas de preparação para o parto, até porque defendo que esta é uma boa forma de nos “obrigar” a reflectir sobre o parto e em particular as aulas da Sandra despertam-nos o bichinho e dá-nos vontade de querer saber os mais e os porquês do parto. Em cada aula que passava ia-me apercebendo que o meu desejo estava a ser anulado pela impossibilidade de ser a Sandra a acompanhar-me, não por culpa dela claro, mas porque eu sentia que tinha de ser ela, fui então conscientemente obrigando o meu ser mais íntimo a aceitar a ideia de que ia ter de ser no Hospital, o caminho das aulas até casa foi muitas vezes feito a chorar por dentro a engolir lágrimas e soluços para que o Hugo não percebe-se o meu desespero.
O Hugo acompanhou-me em todas as aulas excepto a uma quase no fim das sessões, aquela em que a Sandra me disse: “- A propósito Paula, ainda não te disse, mas, já não vou para fora em Agosto.” Acabou a frase com a mão em cima do meu ombro, acho que se alguém estivesse a olhar de frente para mim naquele momento cegava com o brilho nos meus olhos, pelo significado daquelas palavras, não sei até hoje se o disse propositadamente na ausência do Hugo, acredito que não. Agora com menos tempo ainda para agir, tinha de mostrar de uma vez por todas ao Hugo a angústia que sentia por me imaginar a parir num hospital, foi então que verbalizei alguns pesadelos que tivera enquanto me obrigava a assumir que teria de parir no hospital sem opção de escolha, algumas estratégias que tivera elaborado para só chegar ao hospital no último dos últimos minutos, devo dizer que algumas até a mim me assustavam, não mais do que me entregar às mãos de desconhecidos sem lutar contra, este sentimento algo que primitivo, vim a entender mais tarde, depois de ler alguma informação disponível a qualquer um que tenha interesse na matéria.
Foi então assumida a possibilidade de tentar um parto domiciliar, a Sandra foi informada e deu-se início ao processo, fizemos um encontro nada de muito formal, já nos conhecíamos todos, a única coisa que tinha mudado era o método com que queríamos atingir o fim, foi-nos dito que teríamos então de fazer a vigilância da gravidez com a parteira, se já sentira que era esta Doula que queria, após conhecer a parteira percebi claramente que era esta a dupla que queria que recebe-se o meu filho. Acabamos na mesma a preparação para o parto em grupo e foi partilhada a nossa decisão, curiosamente o olhar de espanto, que tivera sentido por parte dos colegas de grupo a quando o dia da apresentação onde assumi o meu desejo, desta vez não acontecera, e acredito que não tenha sido porque já sabiam do meu desejo mas sim porque agora já tinham outro tipo de conhecimento. Fizemos, como todos os outros, um plano de parto, no nosso caso teríamos de fazer dois, um hospitalar outro domiciliar, este segundo não o transcrevi, muito embora tenho idealizado como queria o parto domiciliar para mim só o facto de estar a ser possível reunir as condições para o poder concretizar em segurança superava em muito qualquer desejo que pode-se ter durante o parto. Fui soprando no entanto ao Hugo algumas vontades que talvez me fossem servir de conforto na hora do parto como por exemplo música, acender uma velinha que tinha no quarto do Rodrigo caso eu quisesse na altura ir para lá, algumas outras coisas que nunca achei muito relevantes, achei sempre que se sentisse vontade na altura saberia exprimir essa vontade, mal sabia eu que nestes momentos de reflexão estava a prever que não iria ser uma parturiente muito exigente, iria ser um mamífero nato no acto de parir.
Enquanto grávida oficialmente acompanhada por Doula e Parteira fizemos 4 consultas de vigilância, isto porque só começaram às 31 semanas, cada uma delas com um nível de aprendizagem e conhecimento do meu próprio corpo para mim superior a qualquer uma das outras 6 que fiz com a médica obstetra, sentir simplesmente as mãos da parteira a mexer na barriga, identificar, sem “aparelhómetros”, a posição em que o Rodrigo se encontrava, fazer medições com fita e cálculos, usar técnicas ancestrais para antever o possível trajecto que o meu corpo iria tomar na hora do parto, tudo isso me transmitiu tal confiança que eu própria não sabia ser possível mediante a proximidade do parto.
É então que o dia chega, 02 de Agosto, dois dias antes da data prevista e coincidentemente o dia de consulta de vigilância com a parteira oficial e uma outra que estaria de pré-aviso caso fosse necessário, já andava com algumas contracções há umas 2 semanas, nada de mais, sem dor, excepto quando eram muito seguidas e faziam uma pressão no topo da barriga como que a empurrar, ou melhor a empurrar mesmo…Bom, neste dia acordei com as contracções mas de algum modo diferentes acompanhadas de uma dor na zona lombar parecidas com as que tinha poucos dias antes de menstruar, partilhei isso mesmo com a parteira oficial, esta sorriu mas a outra parteira sussurrou: “-Hum…Mas isto não é para já, talvez uns 8 a 10 dias…”, a consulta prosseguiu de manhãzinha, elas saíram e eu senti que não iria ser para dali a 10 dias e então pedi ao Hugo, que já se encontrava nessa altura em casa de férias a meu pedido, para irmos comprar o resto das coisas que faltavam, e então com o andar de lá para cá, de cá para lá as contracções intensificaram-se e eu tive a certeza que não era mesmo para dali a 10 dias nem 5, estava de facto em trabalho de parto numa fase muito primária ainda mas já tinha começado. Achei por bem que não deveria chamar logo a Sandra e também não alertei o Hugo para o que estava a acontecer, queria-os frescos e fofos para quando fossem de facto necessários, até ali eu estava a lidar bem com a situação.
Nesse dia não almocei nem jantei, não porque estivesse nervosa, muito pelo contrário, mas porque o meu corpo assim o quis, a partir da tarde desse dia até bem perto do princípio da noite fui à casa de banho umas 4 ou 5 vezes, não sei precisar bem, em quase todas ou mesmo em todas as vezes que fui, defequei, era já o meu organismo e libertar tudo o que não era necessário na hora de fazer força. As contracções continuaram cada vez mais intensas mas sem grade regularidade. Das poucas coisas que eu tinha idealizado para o meu parto era que este se desenrola-se durante a noite para que não houvesse a possibilidade de ninguém se aperceber que eu já estava em trabalho de parto, e muito menos que fossem avisados. Fomo-nos deitar não sei precisar bem a hora, para ser sincera nunca estive muito ligada no tempo, sei que foi já na cama que as contracções se tornaram mais regulares, tentei não despertar muito o Hugo para que descansasse, mas não foi possível durante muito tempo, levantei-me e recorri á bola para aliviar as contracções, senti necessidade de ir para a varanda do quarto apanhar a brisa da noite, e fui, eu e a bola, o Hugo ficou no quarto porque já não cabia na varanda, mas sempre em contacto, volta que não volta ele desabafava: “- Não achas melhor chamar a Sandra? ” eu sentia-me bem confiante confortável mas percebi que ele precisava dela ali, naquele momento mais do que eu. Então fomos para a sala e ele começou a cronometrar as contracções, não eram regulares, vinham entre 3 em 3 e 5 em 5 minutos e a duração para ser sincera não me recordo, foi então que lhe disse para ligar e dizer á Sandra que já estávamos em trabalho de parto e em que fase estávamos, ela quis falar comigo, pelas perguntas que fez e a calma como falou penso eu, para perceber o meu estado psicológico naquele momento, percebeu nitidamente que eu estava tranquila, por isso sem grade azafama, porque o momento assim o permitiu, despachou-se e pôs-se a caminho. Lembro-me que até ela chegar a evolução não foi muita, enfim ela chegou e eu senti maior tranquilidade por parte do Hugo e minha também. Quando chegou estávamos no nosso quarto, estava escuro, acolhedor e tranquilo, mas não era o momento ideal para o desenrolar do parto, faltava-nos ainda a Parteira (que estava de serviço no hospital), eu senti que era importante para a Sandra perceber em que fase estávamos ao certo e só depois avisava a Parteira, em forma de conselho, a Sandra perguntou se não queria-mos ir um bocadinho até á cozinha, foi bom, conversámos, desligamos um pouco do parto em si aliviando assim o possível stress que pudesse vir por a Parteira ainda não ter chegado. A Sandra foi fazendo perguntas como forma de entender qual tinha sido o caminho percorrido até à sua chegada, e entre algumas contracções sempre com a bola como recurso para aliviar a dor que causavam, fazendo um movimento de balancé, o tempo foi passando. Senti necessidade de ir á casa de banho mais uma vez, mas agora o resultado era outro, urinei mas imediatamente percebi que não era só urina era algo mas viscoso e denso, o rolhão mucoso. A partir daqui “mergulhei para dentro” percebi nitidamente que as coisas estavam a acelerar, pouco depois do rolhão mucoso, comecei a perder liquido aos poucos e sentia a necessidade de fazer força juntamente com a contracção, a Sandra percebeu essa necessidade e aconselhou: “- Faz só a força necessária para te aliviares, não está na hora:” lembro-me que pouco mais verbalizei depois disto, a parteira chegou entretanto, dei pela sua chegada mas pouco tempo antes disso passei a focar-me no Rodrigo falei muito com ele interiormente e tudo o resto que se ia passando á minha volta ia acontecendo naturalmente como consequência dos sinais que eu ia dando inconscientemente, lembro-me da Sandra perguntar se tinha chegado a escrever o papel sobre o qual tínhamos falado poucos dias antes, onde eu lhe perguntava se achava que devia-mos alertar os vizinhos, ao que ela respondeu: “- Não avises, escreve um papel bonitinho com uma cegonha e se acharmos necessário na altura colamos na porta.” Não o cheguei a escrever. Sei que da bola passei para o banco de parto, e aqui senti um retrocesso do qual despertei com a voz da Sandra algo ríspida a dizer: “- Como é Paula queres começar a preparar a piscina” não tivera até ali pensado que tínhamos ainda esse recurso mas achei que não seria necessário e do banco passei para a cama em posição de gatas, foi aqui que, depois de algum tempo a fazer força, vomitei, e percebi depois que a posição já não estava a ajudar, pedi então ajuda para me levantar e apoiei-me ao Hugo de pé, acho que vieram umas três contracções seguidas de uma intensidade tal, não de dor mas de força, que percebi, ok está quase, entre as forças que fazia em algumas a parteira verbalizava: “- Paula não te contraias.” Numa delas recordo ter respondido com alguma agressividade: “- Eu não estou a contrair.” Pedi novamente o banco e desta vez foi um alívio, quase tempo nenhum depois a parteira disse que já via o Rodrigo e ajudou-me a tocar-lhe, neste momento, para além da vontade de fazer força já sentia algum ardor que verbalizei, não sei precisar o tempo que tive nesta posição para mim foi praticamente nenhum, a cabeça do Rodrigo nasceu às 10h14 o corpo às 10h15 e a placenta as 10h20 são os únicos tempos que me recordo de ouvir, assim que o Rodrigo nasceu a parteira passou-mo imediatamente para os braços. Até esta altura ainda tinha vestida a blusa do pijama que pedi imediatamente ajuda para despir, para que o meu bebé me toca-se, e assim foi, depois de a placenta sair e de o Hugo ter cortado o cordão levantei-me e aguardei que me recompusessem a cama para nos aninharmos os 3 a namorar.
E depois disto poderia continuar a descrever como tem sido até hoje esta viajem, que apesar das dificuldades lutei para que fosse possível viver á minha maneira, com o apoio de 2 mulheres incríveis, que estão lá mas não se fazem notar, que encaminham sem se imporem e que lutam diariamente para que outras mulheres como eu tenham o direito de escolher o caminho que pretendem percorrer.

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