Parto em Casa: como organizei o meu parto – Partilha de Sandra Oliveira

 

 A minha primeira filha nasceu no hospital, tinha eu 28 anos, no ano de 2000, e foi para mim uma experiência muito feliz. Fui mãe do meu segundo filho, com 36 anos, em  2009. Era Doula e activista há mais de 5 anos. Além as iniciativas e formações que organizei no contexto do parto,  tinha acompanhado 68 famílias, em que 22 partos foram em casa.

Pouco antes de engravidar, acompanhei um parto em casa que terminou tragicamente com a perda de um bebé.

“Toda a situação vivida fez-me refletir muito.” Estando na altura (e agora não muito diferente) a opção do Parto em Casa em Portugal ausente de regulamentação e boas orientações,.

 

“Segurança total, ou sem riscos é algo que não existe no parto. Apesar de admirar a natureza, tenho bem presente que a seleção natural existe. Estarmos conscientes disto é essencial, para que as decisões sejam em total responsabilidade.”

 

Vi-me obrigada a criar as condições que considerei essenciais e com base em referências de países onde o parto em casa é uma  opção do sistema.

Tomei medidas que não estão ainda enraizadas por parte das equipas que operam no parto em casa. A minha Parteira entendeu bem porque o fiz, e na altura, protegemo-la de qualquer possibilidade de represálias. Os tempos assim o exigiam


 

1. Vigilância da Gravidez

Optei por fazer a vigilância da gravidez com base no Modelo de Parteira (no meu caso, uma Enfermeira Especialista em Saúde Materno-Infantil – EESMO).

“Sabia que estas profissionais não tinham qualquer apoio do Sistema Nacional de Saúde (SNS) para exercer de forma privada, nem podiam prescrever exames. Por isso, optei também por ser acompanhada no Centro de Saúde, intercalando as consultas da EESMO com as do médico de família.”

✅ Iniciei a Vigilância com a minha Parteira no final do primeiro trimestre, depois das primeiras análises feitas.
✅ Fiz as 3 ecografias, sendo que a última optei por fazer mais próxima da data prevista de parto. A ecografista percebeu perfeitamente.
✅ Feitas num local especializado em ecografias materno-fetal.
✅ Decidi fazer a análise do Estreptococos B, para gerir melhor os limites em caso de rotura de bolsa e seguir minimamente a prática instituída por cá, salvaguardando também a minha Parteira.

A escolha da Parteira foi feita naturalmente, foi com quem passei a formar equipa. Além toda a sua frontalidade face à inexperiência do parto em casa, a sua experiência em neonatologia foi muito importante perante o contexto . Na altura haviam poucos profissionais no parto em casa. Estava ciente que deviam de ser dois. 


2. Apoio Emocional e Físico

Queria que o Pai dos meus filhos estivesse presente apenas como companheiro e pai, sem a preocupação de interpretar o que eu sentia ou como me apoiar.

“Para isso, sabia que precisava de mulheres ao meu lado. Mulheres que me compreendessem, confiassem em mim e tivessem personalidade suficiente para me chamar à razão, caso fosse necessário.”

Fui acompanhada por uma mulher que já conhecia há alguns anos e que tinha acompanhado no seu segundo parto. A minha Doula apesar de ausente, também esteve sempre em mim, pois somos “almas gémeas”.

3. Família e Amigos

“Naturalmente, todos me questionavam onde seria o Parto. Respondi sempre com total honestidade: enquanto tudo estivesse bem, ficaria em casa. Se necessário, iríamos para o hospital.”

Conversei muito com a minha filha, que queria assistir ao parto. A sua maturidade surpreendeu-me:

“Mãe, eu sei que até tu podes morrer. Eu sei isso tudo, mas gostava que fosse aqui em casa, porque quero estar contigo.”

Foi ela quem escolheu quem ficaria com ela no hospital, caso houvesse transferência.

 


4. Plano de Transferência

“A segurança para mim significava ter um plano de transferência bem estruturado, e não simplesmente acreditar que tudo correria bem.”

Contactei o Hospital da minha zona e informei-me sobre o que necessitariam de saber em caso de transferência.

✅ O facto de ter começado como Doula naquele hospital facilitou o contacto. Fui acolhida pelo Diretor de Obstetrícia e pela Enf.ª Chefe do Bloco de Partos.

✅ Decidi que apenas deveríamos informar o hospital caso houvesse indícios de possível transferência, evitando pressão desnecessária.

✅ Assumi total responsabilidade desta decisão e decidi não envolver a minha Parteira nestas reuniões e diligências com o hospital.

 

Além disso, contactei os Bombeiros locais para assegurar um transporte de urgência eficiente.

“A minha casa estava dentro da distância de “segurança” recomendada na altura noutros países (30 minutos de um hospital). No entanto, a minha experiência anterior com o INEM deixou-me insegura. Queria garantir que, caso necessário, teria um transporte rápido sem atrasos burocráticos.”

✅ Estabeleci dois contactos: um às 32 semanas e outro assim que entrei no período de termo.

✅ Deixei um documento com o meu nome, morada e telefone no quartel.

✅ O Comandante fez questão de falar comigo pessoalmente, alertando-me para alguns riscos, mas respeitando a minha decisão.

 

Acredito que hoje esta possibilidade não seja tão fácil de conseguir…


5. Declaração antecipada de vontades/ plano de parto

Fiz  um Plano de Parto  para o  Hospital  que contemplava as várias possibilidades de transferência.

Elaborei também um documento para o parto em casa, de forma a comunicar o que sentia ser relevante que soubessem e tivessem em conta relativamente a mim, e ao estar na minha casa. Escrevi com o coração e também com a razão para todos os envolvidos.


6. Início com Rotura da Bolsa sem Contrações

✅ Tive rotura da bolsa sem início de trabalho de parto.
✅ A minha Parteira monitorizou-me durante 18 horas.
✅ Assumi a minha própria monitorização depois disso.
✅ Não me foi administrado qualquer antibiótico ou fármaco.
✅ Fizemos análises ao PCR para vigiar indicadores laboratoriais de infeção.
✅ Reforcei o sistema imunitário com alimentação e suplementos.
✅ O trabalho de parto iniciou 48 horas após a rotura da bolsa.

O Tiago foi observado no dia seguinte por um Pediatra com quem tinha relação profissionail, e que gostava de ter estado presente no parto.


Nos botões abaixo podes aceder ao testemunho e ao vídeo do parto

 


Do meu parto à actualidade

Apesar de terem passado 16 anos desde o nascimento do meu filho, muitas das preocupações que tive continuam válidas. Em Portugal, o parto em casa permanece sem regulamentação, o que afecta directamente:

A segurança e transparência – Os estudos que demonstram segurança no parto em casa são, em grande parte, baseados em países onde há regulamentação. Em Portugal, não existem dados nacionais sobre os desfechos dos partos em casa, o que impede uma análise rigorosa da realidade.

O acesso a equipamentos essenciais – A ausência de reconhecimento institucional do parto em casa dificulta o acesso a materiais fundamentais, como oxigénio, deixando as equipas mais vulneráveis em situações de emergência. ( E sim, isto ainda é um assunto do presente!)

A articulação com os hospitais – A falta de comunicação directa entre as equipas que assistem partos em casa e os hospitais pode comprometer a eficiência das transferências quando estas são necessárias.

A informação e o consentimento informado – Os casais devem ter acesso a dados concretos sobre taxas de incidências de transferência, riscos e desfechos clínicos.

Reflexão Final

Concordo plenamente que o parto em casa seja uma das opções para fazer nascer os nossos filhos.

Contudo, é essencial considerar a realidade portuguesa e garantir que as decisões são tomadas com total consciência e responsabilidade. O parto em casa é um direito da mulher, mas a ausência de regulamentação cria zonas cinzentas que podem ter fortes impactos nas famílias.

Quando eu decidi parir em casa tinha um nível de conhecimento profundo da nossa realidade, e prático das necessidades e consequências.

A exigência de regulamentação, preparação e transparência deve ser colectiva. Os casais devem ser convidados a reflectir sobre tudo isto ao tomar a sua decisão.

📌 Afinal, para o parto hospitalar fala-se tanto da importância do consentimento informado. Então porque não ter também uma “bula” para o parto em casa?

Em Portugal, actualmente,  os poucos documentos que existem, estão reunidos numa página da Associação Portugesa de Enfermeiros Obstetras:

https://apeo.pt/documentos-parto-domiciliar/


🔍 Palavras-chave para pesquisa:

  • Homebirth Guidelines + Midwife
  • Homebirth Studies
  • Homebirth Risk
  • Homebirth + Transfer Plan
  • Homebirth + Transferring to Hospital
  • Homebirth Emergencies
  • Cochrane + Home Birth

 


 

 

Se o parto em casa é algo em que pensas, ou já está nos teus planos, e sentes que gostavas de conversar comigo, não hesites!

Prometo-te que se te deres a conhecer, aguçarei a minha intuição para te dar o melhor do que sei, do que sou, e do que sentir que precisas para as tuas decisões. Sempre com muita honestidade.

 


 


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This document provides a detailed experience of how I organized my home birth, covering the planning, medical considerations, and my personal experience.

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