Entre o ano em que este artigo foi escrito (1993) e os dias de hoje, o British Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) sofreu uma enorme evolução, e actualmente as suas recomendações reflectem na grande maioria os melhores fundamentos científicos existentes, assim como o respeito pela autonomia de decisão da mulher. Um percurso que carece ser feito em Portugal pela organização médica homóloga. No geral, o artigo espelha exactamente o contexto português actual no que diz respeito a medidas de saúde pública na gravidez e no parto. Actualmente o processo de produção de recomendações na área da saúde no Reino Unido (NICE) é bem diferente, pois além de reflectir os melhores fundamentos existentes, inclui uma reflexão abrangente de todos os intervenientes, e não apenas os pareceres técnicos, ou seja, há toda uma vertente social que é tida em conta. Um exemplo que a nossa Direcção Geral de Saúde está ainda longe de alcançar.
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Saúde pública versus abordagens clínicas aos serviços de maternidade: o rei vai nu

Introdução


Quando escrevi a um professor de Obstetrícia em Rostock, perguntando-lhe por que razão tinha proferido declarações positivas na imprensa sobre o uso de tecnologia perinatal, para a qual não existe qualquer evidência científica, ele respondeu que isso se justificava inteiramente, uma vez que as suas afirmações eram consistentes com os padrões de prática da Ordem dos Obstetras e Ginecologistas da Alemanha. A sua prática privilegiada fundamentava-se não na ciência, mas sim nos pares. Usar os padrões de prática dos pares significa que o médico individual está seguro porque o conhecimento usado, baseado ou não em evidências, é aprovado pelos médicos de referência. Para ilustrar o conflito entre a prática fundamentada na ciência ou fundamentada nos pares, e entre as recomendações das agências públicas de saúde e as recomendações das ordens dos médicos, iremos recuar até 1979, quando os governos da Europa, preocupados com o rápido aumento do uso das tecnologias de ponta em obstetrícia e com o rápido aumento dos custos, pediram ao Gabinete Europeu da Organização Mundial de Saúde (OMS) que avaliasse os serviços perinatais. A OMS organizou o Grupo Europeu de Estudos Perinatais, abrangendo todas as partes interessadas, incluindo obstetrícia, neonatologia, parteiras(os), enfermagem, epidemiologia perinatal, cuidados de saúde, economia, psicologia, sociologia, e utentes dos serviços, e observou as práticas perinatais usando as evidências científicas como critério (1). A OMS organizou então três conferências de consenso sobre tecnologia perinatal adequada (2), o que, seguindo-se a uma revisão exaustiva das melhores evidências científicas, resultou nas recomendações para as práticas que se encontram nas publicações da OMS, “Appropriate Technology for Birth” (3), e “Appropriate Technology Following Birth” (4). As recomendações nestas publicações da OMS estavam frequentemente em dissonância com os padrões de prática correntes. Em 1986, o Presidente do British Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) escreveu, numa carta dirigida ao Director do Gabinete Europeu da OMS: “As directivas da OMS usadas no The Lancet (3) são, na sua maioria, inaceitáveis e representam uma visão muito radical que não se reflecte na prática geral da obstetrícia no Reino Unido.” Comentários semelhantes foram também emitidos por ordens obstétricas noutros países europeus. Todavia, um estudo mais recente que compara estas mesmas recomendações da OMS (directivas), uma por uma, com as recomendações finais de um livro (5) que analisou testes randomizados de controlo de práticas perinatais conclui: “As recomendações da OMS para as tecnologias apropriadas para o nascimento, desenvolvidas através de pesquisa abrangente, Comentado : para usar a mesma terminologia da Sandra discussões e debate, são fortemente endossadas pelos resultados de testes randomizados de controlo cuidadosamente controlados e criticamente avaliados” (6). O que está a acontecer? Porque é que existe um desfasamento entre as evidências e a prática, isto é, entre as recomendações de saúde pública da OMS, comprovadamente baseadas em evidências, e a prática da obstetrícia endossada pelas organizações obstétricas? Porque é que a RCOG se opôs tão vigorosamente a este esforço da OMS?

Saúde pública versus abordagens clínicas


A resposta a estas perguntas reside numa diferença fundamental de perspectiva entre o que a OMS recomenda enquanto prática corrente e aquilo que de facto é praticado nos países europeus. Essencialmente, a abordagem da saúde pública usada pela OMS para formular recomendações está em conflito com a abordagem clínica usada pelos médicos em atividade (Tabela 1). Ao passo que a abordagem da saúde pública se baseia nas evidências científicas para então combinar o melhor do modelo médico com o melhor do modelo social, emitindo recomendações para a saúde pública, a abordagem clínica baseia-se em padrões de prática, tendo o modelo médico como sua única perspectiva. As origens dos padrões de prática usados pelos clínicos são multifactoriais. Alguns dos padrões de prática são de facto baseados em evidências científicas. Se uma evidência revelar que uma determinada prática incorre em risco extremo (talidomida, dietilestilbestrol), essa prática será, provavelmente, abandonada enquanto padrão de prática. Se a evidência apoiar uma prática que é benéfica para o médico (a cardiotocografia deve ser usada a par da indução e da epidural), essa prática será, provavelmente, adoptada enquanto padrão de prática. Se a evidência a favor de uma prática é incontestável mas não benéfica para o médico (preferencialmente, a posição vertical de parto, em vez da posição de litotomia), é muito menos provável que essa prática se torne padrão, mantendo-se um desfasamento entre a evidência e o padrão de prática.
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Os padrões de prática são uma questão importante, porque entram em jogo vários factores que nada têm de médico (Tabela 2). Onde os clínicos frequentemente mencionam a “experiência” como base de uma determinada prática, a verdade é mais próxima do “hábito” — o “sempre se fez assim”. Isto é ilustrado pela forma como as práticas operativas de parto vaginal acontecem internacionalmente: no Reino Unido e em algumas antigas colónias britânicas (Canadá, Austrália, Nova Zelândia) predomina o parto por fórceps, enquanto na Europa continental predomina o parto por ventosa. A conveniência é outro factor não médico subjacente aos padrões de prática. Desde o advento da indução, estudos científicos mostram que os partos ocorrem mais em dias úteis (7-9). Outros estudos mostram que cesarianas de emergência ocorrem mais frequentemente em dias úteis (10, 11). Devido ao facto de 85% dos obstetras britânicos terem sido processados pelo menos uma vez, e 65% duas vezes (12-14), os próprios obstetras britânicos apontam o medo de litígio ou a chamada obstetrícia defensiva como a sua segunda razão mais comum para a desnecessariamente elevada taxa de cesarianas. Assim se chega a outra influência não médica nos padrões de prática. Até o American College of Obstetricians and Gynecologists tem agora políticas escritas contra o uso por rotina da cardiotocografia em todas as mulheres em trabalho de parto (15), mas o seu uso rotineiro é ainda padrão de prática em muitos locais, devido ao receio de que um médico sem registos de cardiotocografia nos ficheiros de uma paciente se torne mais vulnerável em tribunal.
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Nesses países, tal como nos Estados Unidos da América (EUA), onde o rendimento do obstetra e do hospital, pelo menos em parte, é determinado pelo número de intervenções que ocorrem, dados científicos mostram taxas significativamente mais altas de custos hospitalares com cesarianas em hospitais privados com fins lucrativos do que em hospitais públicos sem fins lucrativos (16). Outros estudos dos EUA mostram que mulheres com seguros de saúde têm taxas significativamente mais altas de cesarianas do que mulheres sem seguros de saúde e mulheres abrangidas pelo serviço nacional de saúde (17-19). Esse número excessivamente elevado de cesarianas continua a ser uma preocupação, porque os dados sugerem que acarretam taxas mais elevadas de mortalidade e morbidez do que o parto vaginal, tanto para a mulher como para o bebé, mesmo incluindo a cesariana electiva de repetição (2). E quanto aos interesses comerciais? O seu papel em determinar padrões de prática perinatal é subtil, mas generalizado. As universidades, os hospitais e os médicos colaboram muito de perto com a indústria. A indústria ganha acesso a pacientes e a investigadores altamente qualificados (médicos). A indústria ganha também com a comunicação de pesquisas — tendo em conta o uso de uma determinada tecnologia — em jornais médicos e em conferências. Os hospitais ou universidades (por vezes, médicos) podem receber direitos de autor e de patentes. Mais importante, médicos e outras entidades podem avançar com as suas carreiras de investigadores através de investigação financiada pela indústria, a qual, em contrapartida, é a avenida que conduz ao sucesso e ao estatuto. A título de exemplo menos subtil de como os interesses comerciais podem influenciar os padrões de prática, foi organizado um encontro pela International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) para desenvolver directivas para o uso da cardiotocografia durante o parto em todos os países. Os participantes convidados pela OMS descobriram logo à partida que grande parte dos custos do encontro, incluindo o transporte de obstetras vindos de todo o mundo, era suportado pelos fabricantes dos equipamentos em avaliação. Os participantes tinham de passar por uma exposição dos equipamentos dos fabricantes até chegarem à sala onde seria discutido o valor desses equipamentos. Em última instância, a OMS não pôde endossar o relatório do encontro, porque este recomendava o uso global e rotineiro da cardiotocografia em todas as mulheres em trabalho de parto, quando as evidências científicas que suportavam esta posição eram (e são) altamente inadequadas. Tendo em conta que a prática médica assenta no princípio básico de que tudo o que é feito deve sê-lo para benefício do paciente e não do médico, estes factores não médicos — conveniência, lucro, receio de litígio e interesses comerciais –, que são claramente do interesse do médico, não devem influenciar os padrões de prática. Tal como escreveu um cientista perinatal, “a crescente preeminência enquanto determinantes da prática clínica não vai ao encontro dos melhores interesses dos presentes ou futuros utilizadores dos serviços de maternidade” (20). Mas a realidade é que, em qualquer lugar, os padrões de prática são a compilação e legitimação daquilo que os médicos com poder de influência estão a fazer. Infelizmente, com muita frequência, as práticas não se baseiam em evidências e são fortemente influenciadas por factores não médicos.

Desafiando a autoridade


O poder usado pelos que estão nas posições de autoridade não significa que o seu conhecimento que esteja correcto, mas apenas que é tido em conta (21). Devido à autoridade da OMS, se os padrões de origem médica para a prática perinatal continuam a manter o seu ascendente, é necessário que as recomendações da OMS sejam desvalorizadas, daí a carta da RCOG à OMS. Por outras palavras: “Para legitimar a autoridade de uma forma de conhecimento é necessário desvalorizar todas as outras formas de conhecimento” (21). Têm sido usadas múltiplas estratégias pelos clínicos para desvalorizar ou ignorar a abordagem da saúde pública encontrada nas publicações da OMS. Não se conhecem quaisquer tentativas de desafiar directamente a validade científica ou “verdade” das publicações da OMS — não existem quaisquer artigos que abordem recomendações específicas para demonstrar que estas não são cientificamente justificadas. Em vez disso, desafia-se a relevância e a autoridade. Por exemplo, um professor de Obstetrícia na Áustria declarou publicamente que as recomendações sobre tecnologia perinatal se destinavam ao terceiro mundo (isto é, podem ser válidas, mas não se aplicam a nós), apesar de, na realidade, as recomendações serem dirigidas, em primeiro lugar, aos países altamente industrializados. Outra forma de os clínicos desafiarem a autoridade da abordagem de saúde pública e ignorarem as publicações da OMS é desacreditar os indivíduos que promovem as recomendações. “Aqueles que aderem a sistemas de conhecimento alternativo tendem a ser vistos como atrasados, ignorantes ou ingénuos causadores de problemas. O que quer que tenham a dizer sobre os temas em negociação é julgado irrelevante, infundado, e impreciso” (21). Por outras palavras, se não se gosta da mensagem, mata-se o mensageiro.

Política de saúde para serviços perinatais

Sob um ponto de vista da saúde pública, a moderna prática perinatal de hoje em dia inclui intervenções extensivas, intensivas, muitas vezes invasivas, muito dispendiosas, e frequentemente desnecessárias. A lista de intervenções obstétricas com um desfasamento entre as evidências e o que se pratica é longa, incluindo ecografias de rotina durante a gravidez, cardiotocografia de rotina durante o parto, indução, posição de litotomia durante o parto, parto vaginal operatório, cesariana, episiotomia (2). Parece legítimo questionar qual será a eficácia de todas estas intervenções obstétricas e por que se mantêm quando os dados dos resultados perinatais nos países industrializados mostram que a taxa de paralisia cerebral não diminuiu em 30 anos, a taxa de baixo peso à nascença não diminuiu em 20 anos, a mortalidade maternal não diminuiu em dez anos, e a louvável queda ligeira na mortalidade perinatal nos últimos dez anos se deve essencialmente à ligeira queda da mortalidade neonatal sem alteração na taxa de mortalidade fetal. Acrescente-se que certas modas obstétricas surgem de tempos a tempos — cada dogma tem a sua época. Presentemente, a gestão activa do trabalho de parto é um dogma popular em certos locais, não obstante o facto de nunca ter tido uma base científica adequada (22). Similarmente, está a ocorrer uma epidemia de epidurais durante o trabalho de parto, apesar da falta de uma adequada avaliação científica (23, 24) e dos sérios riscos para a mulher e o bebé, que raramente são incluídos no consentimento informado (15, 25). Mas também se verifica uma reacção alargada contra esses excessos nas práticas perinatais, que surgiu devido a quatro mudanças fundamentais nas políticas actuais dos cuidados de saúde. Primeiro, a percepção de que nenhum país pode continuar a suportar os custos de todas as possíveis intervenções dos cuidados de saúde resultou numa ênfase sobre a racionalização dos custos que está a conduzir as decisões sobre o que deve ser comparticipado. Segundo, os governos estão a aperceber-se de que o melhor critério de escolha sobre quais as intervenções a suportar é a prática baseada em evidências. Em terceiro lugar, o entendimento de que as escolhas sobre quais as intervenções clínicas a endossar são mais sociais e éticas do que médicas está a levar os governos a colocarem as decisões sobre cuidados de saúde nas mãos das pessoas, e não apenas nas dos médicos, e a um nível mais local. A quarta, e talvez a mais importante, mudança nas políticas de saúde perinatal é a de que os governos se estão a aperceber de que as decisões sobre a reprodução humana fazem parte dos direitos humanos. Nas Conferências das Nações Unidas no Cairo e em Pequim foi decidido que as mulheres têm “o direito de tomar decisões no que diz respeito à reprodução, livres de discriminação, coerção e violência, tal como está expresso nos documentos sobre os direitos humanos. A promoção do exercício responsável destes direitos para todas as pessoas deve ser a base fundamental para as políticas de governação assentes nas comunidades e para os programas na área da saúde reprodutiva” (26). Por outras palavras, os governos devem assegurar que a mulher e a família têm o direito à liberdade de escolha, livres de coação (mesmo que subtil) e com todo o respeito pela integridade da pessoa durante um dos acontecimentos mais importantes das suas vidas: a gravidez e o parto. A natureza dos serviços perinatais deve ser de modo a conferir à mulher e às suas famílias o poder de terem recursos, completa informação, capacidade e liberdade de escolha para tomarem tais decisões. Infelizmente, alguns clínicos não vêem o verdadeiro impacto que estas mudanças políticas e sociais têm sobre os serviços de saúde, forçando gradualmente mudanças na administração dos cuidados de saúde e mudanças de controlo. Isto está a acontecer de forma mais rápida e óbvia nos serviços de saúde prestados ao nascimento e à morte, onde é mais claro que as questões são primeiramente sociais, e não médicas. Assim se explica a luta que está a ter lugar nos serviços perinatais. As agências de saúde pública e os profissionais de saúde pública têm o dever de trazer a perspectiva da saúde pública para esta luta.

Conclusão


Todas as equipas desportivas têm necessidade de jogadores (clínicos) e de um treinador (profissional das ciências de saúde pública, como o epidemiologista perinatal) que trabalhem em conjunto, tal como nós precisamos que se combinem a abordagem clínica e a abordagem da saúde pública para um cuidado de saúde óptimo (27). Até agora, não tem existido um equilíbrio saudável entre as duas abordagens, já que o papel predominante da abordagem clínica e as tentativas de desacreditar a abordagem de saúde pública nos têm afastado do caminho certo. A OMS tem trabalhado para alcançar o equilíbrio entre as duas abordagens, expandindo o acervo de conhecimento em ciências perinatais reconhecido como autoritário, abrindo-o no sentido de incluir, adicionalmente ao ponto de vista dos clínicos, os pontos de vista de parteiras, investigadores científicos, profissionais de saúde pública e das mulheres em geral. Estes esforços fazem parte de uma luta para controlar os serviços perinatais, a qual, por sua vez, faz parte de uma luta ainda mais alargada para o controlo por parte das mulheres e o controlo de todos os serviços de saúde (28). Como parte deste esforço, o Gabinete Europeu da OMS, enquanto agência de saúde pública, tem vindo a trazer à atenção do público e dos governos dois sérios problemas que surgiram devido à presente hegemonia da abordagem clínica. O primeiro problema é a dependência dos padrões de prática, em vez das evidências científicas, conduzindo a desfasamentos entre as evidências e as práticas. Se bem que alguns clínicos ainda receiam a incerteza e resistem à mudança, são cada vez mais os que aceitam a prática assente em evidências, pelo que os padrões de prática estão a mudar gradualmente. O segundo problema é existirem médicos a decidirem as políticas de saúde, falhando em honrar a autodeterminação do indivíduo e da família e os direitos básicos da reprodução humana. A profissão médica tem sido usada pela sociedade para controlar a saúde reprodutiva das mulheres (29). Não há lugar na moderna prática perinatal para os médicos decidirem questões como o local onde os bebés podem nascer ou quem pode estar presente durante o parto, ou o uso de coerção, como acontece nas cesarianas ordenadas pelo tribunal ou, mais subtilmente, na intimidação das famílias, levando-as a abandonar a escolha do parto fora do hospital. Como alguém com muitos anos de prática clínica, entendo que os clínicos necessitam de se sentir certos do que estão a fazer, mesmo quando essa certeza por vezes se baseia mais em crenças num padrão de cuidados do que em evidências. Quando mais tarde me tornei profissional das ciências perinatais, aprendi que a ciência significa incerteza e cepticismo, bem como fazer perguntas difíceis. Nós, na saúde pública, somos como o rapazinho no conto de fadas de Hans Christian Andersen, que é o único capaz de dizer: “O rei vai nu.” Nem sempre um papel popular, mas um papel absolutamente essencial. Infelizmente, deve-se acrescentar que há alguns profissionais das ciências e da saúde pública, incluindo funcionários da OMS, que têm receio de ir publicamente contra o poder e a autoridade da profissão médica. Trazendo a abordagem da saúde pública aos serviços de maternidade, a OMS tem criado controvérsia e ocasionalmente até conflito. Apesar de isto poder causar desconforto a algumas pessoas, é importante lembrar que o progresso não acontece sem desacordo, controvérsia e debate. Os serviços perinatais têm progredido, e os clínicos podem receber parte do crédito pela redução do desfasamento entre as evidências e a prática. Mas, independentemente do quão longe tenhamos chegado, podemos sempre ir mais além. Promover uma difusão aberta e honesta de diferentes pontos de vista entre clínicos, profissionais das ciências e da saúde pública conduzirá a um melhor entendimento entre todas as partes, para benefício das mulheres.

Tradução: Inês Hugon para Editora Chá das Cinco, livro Nascer Saudável

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