“E assim, muito desprevenidamente, ficou decidido que o parto ia ser em casa.”


Estávamos a meio de Agosto, muito calor, muito verão. Tinha já, há semanas, a sensação que o Xavier poderia nascer a qualquer momento, por isso fui-me mantendo muito calma. Queria que ele tivesse o seu tempo, que não fosse eu a desencadear o processo por um excesso de esforço físico. Só quando chegou a semana prevista para o parto senti que não precisava mais de esperar. Podia-me libertar e dei um grande passeio. Nessa mesma madrugada começaram as contracções.
Com o nascimento do meu primeiro filho no hospital, senti que a vivência do meu parto me tinha sido tirada e que fui mera espectadora sem poder participar activamente, sabia que o segundo seria a oportunidade de sarar essa ferida e de trazer um ser humano ao mundo em condições dignas. Condições que respeitassem o filho e a mãe nesse processo iniciático e profundamente espiritual que um parto é.
Não tinha nenhuma decisão clara sobre o local do parto. Entreguei ao universo. Mas no íntimo do meu coração desejava que “acontecesse” em casa. A única coisa que sabia era exactamente como ia ser; 100% conforme a minha vontade. Quem não estivesse de acordo que se afastasse. Foi com esta força que senti a Sandra e o meu marido ao meu lado.
Quando às 4h00 da manhã acordei e senti as primeiras leves contracções, segui os conselhos da Sandra e tentei continuar a dormir, para reservar as minhas forças para o parto. Voltei a dormir e às 7h00 da manhã levantamo-nos. Estava um dia lindo, sereno com umas cores bem definidas na paisagem. As contracções eram regulares, de 15 em 15 minutos, mas muito leves e perfeitamente suportáveis. Fomos à clinica e a médica constatou que havia contracções, mas que poderia ser um trabalho de parto latente por eu ainda estar tão descontraída e bem. Aconselhou-me a fazer a minha vida normal e possivelmente, à tarde, se as contracções ficassem regulares em intensidade e tempo, voltar a ligar.
Então fomos almoçar fora num restaurante vegetariano em Cascais, tudo tranquilamente, com uma contracção de 7 em 7 minutos. O almoço soube me lindamente! No momento das contracções fechava os olhos e respirava fundo e depois continuava tudo normal.
A seguir apeteceu-me ir andar pela praia. Sempre visualizei o momento do trabalho de parto em contacto com a natureza, nada melhor que um local onde pudesse estar em contacto com os 4 elementos; fogo, terra, água e ar. Seguimos o caminho pela serra em direcção à praia da Adraga, a cor verde da serra brilhava ao sol e percebi que o facto de se estar em trabalho de parto nos dá uma sensibilidade totalmente diferente. Sentia que as cores quase que falavam comigo e a estrada simbolizava o caminho que o meu corpo estava a abrir para dar passagem ao nascimento do meu filho. Foi verdadeiramente emocionante e bonito.
Na praia enrolamos as calças e saias e começamos a andar à beira de água. As contracções já eram mais fortes e durante as contracções parecia que a dor me fazia fundir com tudo o que me rodeava. Foi, de todo o trabalho de parto, o momento mais agradável, parecia mágico. O facto de se andar, em contacto com a natureza, parece que faz desaparecer a dor, pelo menos o aspecto insuportável que a dor pode ter.
Voltámos para casa. Fiquei muito tempo a medir se as contracções já eram regulares e igualmente intensas, as horas iam passando e a médica aconselhou a tomar um banho. Se as contracções abrandassem, ainda ia demorar, se continuassem, era porque o parto estava a chegar. Tomei um banho e tentei dormir um pouco, estava sonolenta. Mas as contracções já vinham de 5 em 5 minutos.
Queria fazer o trabalho de parto todo em casa e eventualmente só no final da dilatação ir para o hospital. Preparámos a casa com velas, uma música suave, incenso e entreguei-me ao mundo espiritual. Então começou essa fascinante viagem em que perdi o senso habitual do espaço e do tempo. As contracções ficaram muito intensas e ligámos à Sandra. Já eram 20h00 quando ela chegou e foi muito bom, porque eu já estava a precisar de algum alívio. O facto de termos uma mulher ao nosso lado de alguma forma dá mais confiança. Foi delicioso quando a Sandra me agarrou as costas, ia pondo um pano húmido na testa e simplesmente “estava lá”. O Pedro pôde ir jantar, tinha estado a tarde toda ao meu lado, uma verdadeira rocha para apoiar.
Por volta das 21h00 as dores ficaram mais fortes e entrei na banheira com o creme de castanha da índia da Weleda. O Pedro tinha preparado a casa de banho; a janela estava aberta (era o meio do verão) com velinhas no parapeito da janela, um aroma óptimo no ar que vinha do banho, os grilos cantavam lá fora e ao de longe via as árvores da serra de Sintra. Parecia um cenário de filme. Entrei dentro de água, o que foi um alívio delicioso, e lá fiquei totalmente entregue às contracções. O espaço de tempo entre as contracções parecia divino em comparação com o tempo das contracções. Mas nada de insuportável. A médica chegou e constatou que estava com a dilatação toda feita e que era impossível ainda irmos para o hospital. Eu disse-lhe que já ninguém me tirava daquela banheira de qualquer forma. E assim, muito despercebidamente, ficou decidido que o parto ia ser em casa. Simplesmente aconteceu. Eu já não estava em condições de avaliar se era boa ideia ou não, segui o caminhar natural das coisas e no fundo era exactamente o que eu queria.
Comecei a sentir vontade de fazer força, continuava na banheira, de vez em quando iam ouvindo o bebé com o ctg aquático. A médica foi uma presença tranquila, doce e foi dando muito espaço ao que eu sentia e queria. A Sandra teve sempre de meu lado e então percebemos que a banheira não era larga suficiente e que teria que sair para ter espaço para a expulsão. Sair do banho foi difícil. Eu não queria. Quase que me tiveram que arrastar, mas percebi que era necessário. Fora de água, em comparação, as contracções eram realmente dolorosas e então entrei numa espécie de estado instintivo. Sentei-me no banco de parto, gritei e fiz toda a força que alguma vez consegui imaginar (No fim onde tinha mais dores era no pescoço). Na realidade só se passaram 20 minutos e o bebé nasceu. Ainda me lembro do estado de graça em que se flutua quando de repente temos o nosso bebé nos braços, no nosso quarto. Deixámos o cordão mais algum tempo, o Xavier foi logo posto ao peito e ficámos ali, os três, pai mãe filho. Como o parto não tinha sido planeado em casa, não tínhamos nada à mão. Esterilizámos a tesoura das unhas e serviu para cortar o cordão umbilical que foi preso por uma gaze bem apertada! Parecia de outros tempos, voltar às origens para distinguir o essencial do supérfluo. Não lavámos o bebé, só o esfregámos com um banho suave e mais tarde li que faz lindamente aos bebés ficarem assim após o parto para se poderem alimentar da gordura que fica na pele. A médica ajudou-me a tomar um duche enquanto a Sandra punha uma máquina a lavar com as toalhas que se tinham sujado e deitámo-nos na cama. O bebé nasceu por volta das 23h30 e às 24h30 estávamos todos a dormir tranquilamente, no nosso quarto… Tinha tido o dia mais bonito de toda a minha vida. Graças a algumas pessoas, ou seres, muito especiais que tiveram ao meu lado neste caminho.

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