O toque vaginal no parto: precisamos mesmo disto?

É comum ouvir dizer que o parto está “a evoluir bem” porque o colo do útero já dilatou x centímetros. Ou então, que “ainda falta”, porque a dilatação está “só” em três.

E se esta forma de avaliar o progresso do parto — e ensinar as mulheres a aceitá-la como um dado absoluto — estiver profundamente errada?
E que, além de não ajudar, pode prejudicar?

Este artigo é para quem ainda usa (ou tolera) terminologia  “cm” no processo de parto, diagramas com círculos e afins, para representar a dilatação do colo do útero. É para doulas, fisioterapeutas, enfermeiras, médicos. E é, sobretudo, para as mulheres. Porque só com elas informadas é que se mudam práticas não fundamentadas.


A origem do erro

A obsessão com a medição da dilatação tem raízes na obstetrícia tecnocrática. Medir, comparar e controlar são práticas que nos fazem sentir “em segurança” — mas essa segurança é ilusória.

A dilatação do colo do útero não é um processo linear, não pode ser prevista com rigor, e não representa sozinha o estado de avanço do trabalho de parto [1].

Pior: a prática de examinar o colo com frequência — o toque vaginal — pode interferir na fisiologia. Pode provocar dor, medo, retração. Pode bloquear a progressão do parto. E, como veremos, pode até trazer riscos  concretos.


Toque vaginal: prática sem base científica quando usada por rotina

A Biblioteca Cochrane — uma das maiores referências internacionais em medicina baseada na evidência — foi clara na sua revisão sobre o tema: não há evidência suficiente para apoiar o uso rotineiro do toque vaginal durante o parto [2].

Quando não há fundamentos para uma prática, esta não deve ser usada por rotina — sobretudo quando as mulheres relatam que é perturbadora ou traumática. Deve imperar o princípio fundamental da ética clínica: “não faças mal”.

Uma coisa é recorrer ao toque vaginal para esclarecer uma dúvida clínica, quando há suspeita de que algo não está a correr como esperado. Outra — bem diferente — é usá-lo de forma sistemática, como se fosse imprescindível para aferir que tudo está certo. Não é.

O toque vaginal tem o seu lugar na assistência ao parto — mas, como costumo dizer, nem nunca, nem sempre. O discernimento clínico, o consentimento informado e o respeito pelo processo são indispensáveis.

Felizmente, já acompanhei vários partos vaginais sem um único toque vaginal. E todos terminaram com mães e bebés bem.


Risco físico real: o toque e a febre

Um estudo publicado em 2020 demonstrou que fazer cinco ou mais toques vaginais durante o trabalho de parto aumenta significativamente o risco de febre — ou seja, de infecção [3].

“O risco de morbidade febril intraparto e periparto aumenta proporcionalmente ao número de toques.”

Não se trata apenas de desconforto ou de intrusão — há risco clínico, que deve ser conhecido por todas as mulheres e profissionais.


O que dizem as mulheres

Uma revisão qualitativa de 32 estudos publicada em 2023 confirma que muitas mulheres vivenciam os toques vaginais durante o parto como invasivos, humilhantes e até traumáticos — especialmente quando feitos sem consentimento, explicação ou sensibilidade [4].

Estas experiências deixam marcas e mostram que, mesmo sem intenção de causar dano, há práticas rotineiras que precisam de ser urgentemente revistas.

Quando até as doulas colaboram com o problema

Quando uma doula usa uma régua de madeira para ensinar a dilatação, está — mesmo sem querer — a reforçar este modelo. Está a transmitir a ideia de que o parto é um percurso medido em centímetros.
E que o corpo da mulher precisa de ser avaliado, quantificado, validado externamente.

Isto é uma forma de perpetuar o erro.


O que fazer?

  • Deixar de usar ferramentas visuais que simplificam em excesso o processo da dilatação.
  • Parar de ensinar as mulheres a medir o seu progresso.
  • Exigir consentimento informado para qualquer toque.
  • Confiar mais no corpo e na mulher, menos no número.

Conclusão

O colo do útero não precisa de ser tocado, medido ou mostrado para que o parto aconteça.
Mais do que confiar numa ideia abstracta, é preciso aprender a observar os sinais certos, no tempo certo. E o nosso papel — como profissionais ou acompanhantes — é sobretudo não atrapalhar.

Por aqui, há anos que não falo em centímetros com as mulheres quando abordo o tema da dilatação.
A informação que lhes dou é com base na dor — sinais de evolução, e sinais de alerta.

Porque a verdade é que muito dificilmente um bebé passa pelo colo do útero, sem que ela dê por isso, ou precise de alguém que a informe.

Convido a veres a minha publicação no Instagram sobre este assunto.

Sandra Oliveira
Doula
Autora do Livro Nascer Saudável

NdA: Este texto foi escrito por mim, com a colaboração do meu assistente virtual, Sandro, e o recurso à inteligência artificial. 😊


Referências

  1. Reed, R. (2011). The Assessment of Progress. Midwife Thinking.
    https://midwifethinking.com/2011/09/14/the-assessment-of-progress/
  2. Downe, S., Gyte, G. M. L., Dahlen, H. G., & Singata, M. (2013). Routine vaginal examinations for assessing progress of labour. Cochrane Database of Systematic Reviews, (7).
    https://www.cochrane.org/CD010088/PREG_routine-vaginal-examinations-labour
  3. Morais, S. S. D., et al. (2020). Vaginal examinations and febrile morbidity in labor: a prospective cohort study. BMC Pregnancy and Childbirth, 20, 677.
    https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12884-020-02925-9
  4. Montaguti, M., Vecchi, S., Schederecker, F., De Benedictis, R., Golinelli, D., & Mazzoni, A. (2023). Women’s experiences of vaginal examinations during labour: A qualitative evidence synthesis. Midwifery, 125, 103957. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0266613823001493