O parto da Olívinha, ora cá vamos. 

Sinto que tenho de ir mais atrás. A Olívia é um bebé arco-íris por ter vindo depois de uma perda. Um momento difícil e frustrante mas que foi ultrapassado com consciência e bons apoios. As primeiras semanas de gravidez custaram-me, não só pelos enjoos e fomes continuas, mas pelo medo constante de ter nova perda, que ainda não fosse desta…Sempre que os sintomas atenuavam pensava que já não estava tudo bem. Passou o primeiro trimestre, contamos ao mundo, estava tudo bem. A barriga foi crescendo, foi uma gravidez bastante tranquila, muito mais cansativa que a da Catarina, exatamente por já ter a Catarina.

Decidi ser seguida no sistema nacional de saúde pela médica de família. Não temos seguros e sinceramente gosto de acreditar e contar com o sistema, que até ver não me desiludiu. Eu estava bastante informada sobre os exames, condições da gravidez e mais ainda sobre o parto. Queria que respeitassem as minhas opções e opiniões. Quis ter uma doula, desta vez tinha a certeza que quereria. Tive uma cesariana depois de uma indução falhada com a Catarina, que me desfez um pouco o coração e a alma. Não estava preparada para aquilo, não percebi porque aconteceu, se tinha de acontecer e senti que me roubaram um dos momentos mais bonitos, intensos e importantes da vida duma mulher, o nascimento de uma mãe. Queria tanto que o segundo parto fosse muito diferente, que me ajudasse a restaurar e fechar o capítulo ‘parto da Catarina’. Sabia que ia reviver um pouco as coisas. A doula era essencial. 

Falei com amigas, fiz lista de quem iria contactar, mas o nome Sandra Oliveira não me saia da cabeça. Tinha contactado com ela antes do parto da Catarina (infelizmente não a tive comigo) e sabia que se a abordasse seria para a ter comigo desta vez. Mas não que queria apressar na escolha,  queria ter a pessoa certa ao lado. Nestes anos desde que a Catarina nasceu fui sempre acompanhando o seu trabalho e fui sempre fã. Uma guerreira sensível, corajosa e muito muito informada. Sem medo das luzes da ribalta e de enfrentar os outros. Não se ouve falar assim de outras doulas. Por volta da 20 semanas não resisti mais e enviei-lhe um e-mail a perguntar se queria ser minha doula. Aceitou sem hesitar. Sabia da minha história. Encontrámo-nos em sua casa às 24 semanas e depois fomos trocando mensagens, telefonemas sobre dúvidas do seguimento, etc. Só nos encontramos outra vez às 32 semanas, cá em nossa casa, já para falar de algum possível plano de parto, de como estava tudo a ir. Não tinha muitas dúvidas, o que eu queria da Sandra era que fosse o meu escudo e defensora na hora H.

Fiz os exames todos “normais” preconizados pelo SNS. Li com unhas e dentes o livro da Sandra Oliveira, o Nascer Saudável. Chorei muito na parte dos testemunhos. Revivi emoções que passei na altura da Catarina. Revoltou-me outra vez. Ainda estava cá tudo, tão fresco. Às 38 semanas deixei de trabalhar. A consulta da 39 semanas no HGO foi muito tranquila. Só vi enfermeiras e viram todo o meu processo clinico. Fiquei com nova consulta marcada para a semana seguinte, às 40 semanas. Esse dia chegou e eu continuava relativamente tranquila. Estava tudo dentro do normal, o meu limite eram as 42 semanas. Mas…nessa consulta já me quiseram marcar indução. A Sandra bem me tinha perguntado se queria companhia para essa consulta. Aí desabei. Foi o dia mais duro da espera. Todos os medos vieram ao de cima e fui transportada para a altura do parto da Catarina. Estava a reviver tudo, o nunca mais acontecer, o ser induzida, acabaria em cesariana de certeza, já pensava. O meu corpo talvez não será capaz?  Liguei à Sandra, disse-me que não fazia mal ter a indução marcada, não tinha de ir, tinha tempo. Tranquilizou-me. Fui-me embora e passei o dia a chorar, não queria que voltasse tudo a acontecer, estava num lugar de medo e mágoa mesmo. Voltei a falar com a Sandra que também me disse que tinha tudo para conseguir mas tinha de lutar por mim, defender-me e acreditar em mim. Não podia deixar os profissionais saúde decidir por mim. É daquelas coisas que às vezes custa ouvir, mas que me fez bem. Ajudou-me a erguer. Ponderei, li e senti que não queria ser induzida, não na data que eles destinaram. 5 de novembro eram as 42 semanas, então tinha até aí. Eu estava mentalizada para uma gravidez longa. Dia 29 de Outubro fiz as 41 semanas e celebrei. Um marco bonito. Escrevi 41 semanas na barriga e fiz mais umas quantas pinturas corporais com a Catarina. Sentia-me bem e feliz, mais segura. 

Quarta-feira dia 30 depois do almoço foi quando tudo começou à séria. Senti-me feliz. E cansada. Mas bora lá! Sentia as dores a ficar mais intensas na barriga e mais regulares, mas ainda de 20 em 20 minutos. Doía mas era tolerável. Fiquei preocupada porque às duas da manhã (dia 31 de Outubro) o Tiago estava fora de casa. Riu-se quando chegou, estava seguríssimo que ainda ia demorar. Como ele estava certo…mas eu não conseguia dormir por mais de 20 minutos de seguida. A meio da noite enviei mensagem à Sandra.  Na manhã de dia 31 de Outubro, por volta das 10 e tal, onze, veio cá ter a casa.  Íamos conversando, eu ia pausando com as dores. A Sandra veio como seu kit completo de doula: roupa confortável, saquinho de cerejas para as dores, paninhos para a cabeça. Eu ia ficando mais e mais desconfortável. Alternava entre dormitar, andar, porque era quando parecia que as coisas progrediam e doía mais. A Sandra disse que os outros VBACs (vaginal birth after C-section) que acompanhou foram trabalhos de parto muito longos, como se o corpo precisasse de tempo para tudo, para se preparar calmamente sem nada se estragar. Ia-me dando estas dicas como para me preparar mentalmente. Falei com a minha mãe, ela queria vir cá ter, perguntou se precisava de algo, estava sempre a perguntar quando ia para o hospital porque no final de dia seria hora de ponta, véspera de feriado. Mas estava tudo ok, sentia-me segura com a Sandra, que achava que ainda era cedo para ir. E preferi não ter cá mais ninguém em casa. Não queria mais bitaites, nem stresses. 

No final do dia estava cheia de dores e a ficar maluca…Já era de noite e eu começava a ficar muito cansada, já estava há quase 24h com dores e sem conseguir descansar…a certa altura fui-me deitar na cama. Estava a ser difícil tolerar tudo e descansar…ia tentando cronometrar as contrações, iam variando, de 10 em 10, 15 em 15, durando 30 segundos. Por volta das dez e tal da noite rompeu a bolsa, mas assim à séria…senti mesmo aquele “pok” e a cama completamente alagada…aí a Sandra disse, “está na altura de irmos para o hospital, as dores vão-se intensificar, prepara-te”. E assim foi. Voltaram alguns medos…será que estava assim tão atrasado? mas eu já estava tão exausta! E se apanho alguém pouco simpático? e se querem fazer toque e eu nem me consigo pôr direita…e se e se…respira fundo Joana. Fui-me passar por água. Tudo devagar entre contrações dolorosas. 

A viagem de carro foi rápida mas custou. Chegados ao HGO, o Tiago deixou-nos à entrada as urgências e eu fui andando, de braços dados com a Sandra, devagarinho para as urgências obstétricas. Estava-me a custar tanto andar!! Já não via muito à frente, pessoas a olhar e eu alheia a tudo…umas luzes, umas escadas, pessoas a responder à Sandra, a minha voz. Nas urgências, deixaram a Sandra entrar comigo na triagem. Eram duas enfermeiras e fizeram uma data de perguntas, mas a Sandra ia respondendo, também irritada por estarem a perguntar coisas que estavam no meu processo. Quiseram avaliar e fazer o toque. Eu não queria, mas sabia que ia ser difícil não o fazer. Deixei, custou-me outra vez horrores…3 dedos…3 dedos?!?!? pensamento inicial de desespero, 24h cheias de dores e cansaço e só 3 dedos? ainda bem que estava informada e que sabia que esta avaliação tinha muito pouco valor preditivo. 

Depois de entrar na sala de partos, pôr a bata, o acesso, o CTG portátil, lá fiquei no meu ritual de abanar, apoiar na bola de pilates para tentar lidar com as dores, até que entra o meu acompanhante. A Sandra. Eu nem escolhi nem disse nada, já não estava em estado. O Tiago e ela falaram lá fora e o Tiago pediu para ir ela primeiro ver da situação toda, já que a Sandra é super experiente naquele hospital.  Houve uma altura que em não detectávamos o batimento cardíaco da Olívia pelo CTG, na posição de gatas em que eu estava e a enfermeira pediu para me deitar. Se não detectasse, teria de chamar um médico obstetra para ver se estava tudo bem com o bebé. Mas antes a Sandra dispunha mais itens do seu kit parto. Umas joelheiras para eu não estar com os joelhos no chão. Mais tarde quando estava deitada uma almofadinha insufláveis para pôr debaixo da barriga quando me deitava de lado. A certa altura o Tiago entrou também. Eu estava a desesperar com dores muito muito intensas, das contrações e nas costas, já dizia à Sandra que não ia aguentar…ia precisar de métodos de alivio de dor, epidural. O Tiago via o meu desespero mas só tentava encher-me de positivismo. Que ia conseguir, que era normal, mas eu já não acreditava. A Sandra disse que epidural podia mesmo ser uma opção, viu que eu estava mesmo em desespero, mas também avisou que mudaria muito o jogo. Com todos a convencerem-me lá me deitei na cama. A enfermeira ajeitou o CTG e conseguiu reaver o batimento cardíaco da Olívia…ali fiquei deitadinha umas 2 horas, depois de me terem esvaziado a bexiga com um cateter (não me deixavam levantar para ir à casa de banho e deitada não consegui).

A enfermeira saiu (aliás a maior parte do tempo ela não estava ali na box/sala connosco), ficou só a Sandra no cadeirão a dormir e eu a “tentar descansar ou relaxar” ou o raio que a parta porque não descansei nada…acho que fechava os olhos, olhava para o relógio da parede, olhava para a Sandra, pensava que me queria queixar a ela, mas também não havia muito a fazer e fiquei nisto sozinha. O Tiago lá fora, provavelmente a dormir também. Enquanto todos descansavam, comecei a sentir vontade de fazer força, como para empurrar um mega cocó. Essa vontade vinha com as contrações e era um alívio enorme às dores todas que sentia pelas costas e barriga. Aliás antes do cateter e assim que me deitei (penso eu) a enfermeira perguntou se podia fazer novo toque para avaliar o progresso. Disse que sim, eu estava mesmo queixosa. Aí disse que estava com 5 dedos…e disse para não fazer força, que às vezes já me apetecia, porque tinha colo do útero a sangrar. Eu ouvi, mas sinceramente quando veio essa vontade de fazer força não consegui não fazer, era o que o meu corpo estava a pedir e estava-me a saber tão bem. O tempo de fazer força foi sendo maior, até que chegou uma altura que em senti que ela ia sair e me levantei sozinha. Ninguém me disse nada, mas foi outra vez, o que o meu corpo me pediu. Aí já devia estar a fazer mais barulho e a Sandra acordou espantada a olhar para mim, ali sentada no banco em U em frente à cama a fazer força. Espreitou para baixo e disse “já se vê a cabeça” e gritou “enfermeira vai nascer agora”. Nessa altura eu estava na minha, mais tranquila a fazer as minhas forças. Vieram duas enfermeiras. Eu continuei lá sentada com as pernas todas abertas, era o que me sabia bem. Ela tocou na cabeça e disse-me que podia fazer força. Eu perguntei se era só nas contrações mas ela disse que era quando eu quisesse e estivesse pronta. Entretanto a Sandra foi chamar o Tiago. Ele entrou e viu aquele aparato, viu a cabeça, pôs-se a tirar fotos debaixo da cama, tipo ninja, disse “Estou a ver uma orelha”. Tive a fazer força para sair a cabeça, que ia deslizando aos poucos, aí uns 10 minutos? 10 minutos com a cabeça dela a passar no canal de parto e não foi de todo o que mais me custou. Antes pelo contrário, foi um alívio às dores todas que tinha tido nas últimas 5h. Incrível nunca pensei. Ia-me levantando, baixando no banco para fazer força. A enfermeira ia dizendo “é grande”. Depois da cabeça finalmente sair ela disse “agora é comigo” e deve ter rodado a Olívia ligeiramente, fez uma pressãozinha na minha barriga e eu devo ter feito mais um pouco de força e o resto do corpo dela saiu. Era a sensação de espaguete a passar, depois daquele cabeção sair. Já estava. Fiquei incrédula. Consegui! Eram 4h45 da manhã de dia 1 de Novembro de 2019. Mal ela saiu, a enfermeira segurou-a e eu segurei-a logo logo a seguir e puxei-a para o meu colo. Esborrachei-a contra mim. 

Ficámos ali poucos minutos comigo no banco a agarrar a Olívia, o Tiago a abraçar-nos, eu a chorar incrédula que tinha conseguido. A Sandra a chorar também…ufa que intenso que foi. E que bonito. As enfermeiras super respeitadoras e tranquilas. Depois lá me deitei com a Olívia na cama para poder descansar. Para me poderem me analisar A Olívia continuava em cima de mim, calma, no seu breast crawl, ainda ligadas pelo cordão e placenta. A certa altura ajudámo-la e pusémo-la na mama onde ficou feliz. Talvez tenham passado uns 15/20 minutos até a placenta sair e depois a enfermeira esteve com calma a explicar-nos a sua anatomia. Permanecemos na sala de partos os 3 uma hora ou assim, até que fiquei só eu e a Olívia. O Tiago e a Sandra tiveram de ir (descansar). 🙂 estavam exaustos. Eu também, mas a adrenalina e o amor davam-me forças. Olívia nem foi limpa, só tinha fralda e estava enrolada numa manta junto a mim. Quando chorava um pouco era logo maminha. Acalmava logo, mas queria quase sempre estar na sucção. Durante o parto a Sandra também me ia hidratando e apanhando o cabelo. Cuidou mesmo bem de mim. E assim a nossa família cresceu e passámos a ser 4. É esta a história da chegada da Olívia, o nosso token da paz, ao nosso mundo.

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