Relato de parto da Jasmim, a minha terceira filha
Agosto 2021
Vou começar um pouco mais atrás. A Jasmim foi planeada, apesar da diferença dela para a Olívia ser de um ano 1 e 9 meses. Sabíamos que gostaríamos de ter pelo menos mais um filho e que queríamos viajar e já que o projeto viagem estava em pausa (por causa do covid) talvez fosse bom timing para tentar engravidar. Nunca se sabe quanto tempo demore e com certeza que com mais idade fica mais difícil. E por isso esperar pelo final da viagem, re-estabelecimento algures e então tentar engravidar parecia demasiado distante e arriscado para depois termos coragem. Sem pensar muito começámos a tentar e logo, logo conseguimos engravidar. Ficámos muito, muito felizes. As primeiras 12 semanas foram mais stressantes para mim porque já tinha tido uma perda e sabia o quão real podia ser. Também tive vários desconfortos, o corpo lidou muito mal com as temperaturas baixas, os enjoos, o cansaço. O “normal” mas que com outra criança cá fora ainda tão needy e a mamar se torna mesmo exaustivo.
A gravidez foi mais uma vez e para minha sorte sem incidentes e bastante tranquila. Fui seguida, como nas vezes anteriores, no centro de saúde e com a mesma equipa que me seguiu na gravidez da Olívia. A gravidez da Catarina tinha sido seguida em Cardiff, País de Gales e apenas o parto foi cá em Portugal. A gravidez foi evoluindo e eu fui fazendo os check-up normais e preconizados no plano nacional de vigilância materna da DGS. Confesso que não concordo com tudo, há uma preocupação ou melhor gasto de recursos que me parece exagerada para uma gravidez de baixo risco, mas respeito as preocupações da equipa que me seguiu e sem grandes ondas fiz quase tudo. Recusei o screening bioquímico das 16 semanas, tal como o fiz nas duas gravidezes anteriores, porque nos sentimos seguros e tranquilos com a probabilidade para anomalias dada pela eco das 12 semanas. Recusei também o teste da glicémia, pelo menos bebendo o líquido hiper açucarado. Acabei por fazer apenas nas análises ao sangue a pedido da médica, ou seja, o sangue que tirei para as análises rotineiras do 2º trimestre serviram também para aferir se tinha diabetes gestacionais ou não. Não concordo apenas por casmurrice, mas por ter formação epidemiológica que me permite ter uma opinião mais crítica e fundamentada (depois de me informar) e por ter sido já seguida num país diferente (Reino Unido) que faz uma vigilância diferente fundamentando bem as suas escolhas. Costumo averiguar todas as minhas questões com os profissionais de saúde (médica, doula, enfermeiros) e investigando na biblioteca Cochrane, onde se encontram as revisões sistemáticas mais recentes.
A questão mais importante a lidar para nós era o parto. Onde seria? e com quem? Estávamos ainda no período da pandemia e as restrições que se levantaram para os partos hospitalares ainda não tinham caído. Toda uma outra discussão que não vou ter aqui. Tem sido apenas triste e frustrante assistir a um retrocesso nos direitos das mulheres e nas práticas no parto, que tão lentamente estavam a aumentar e a atualizar- se com a evidência científica do século XXI.
A Catarina (primeira filha) nasceu no hospital São Francisco Xavier. Bebé de termo, quase com 42 semanas. Uma indução que acabou em cesariana e um trauma de parto para mim. Uma quebra de expectativas muito grande e uma equipa que tinha o seu caminho a fazer no que toca a cuidar da parturiente e de serem mais humanos e presentes. Já a Olívia nasceu no hospital Garcia da Orta com a minha querida doula e amiga Sandra Oliveira e pai Tiago presentes. Início de parto espontâneo. Trabalho de parto muito longo e maioritariamente em casa com o Tiago e Sandra, diria que no total foram umas 40h entre trabalho parto latente, ativo e transição. Com dor mais intensa umas 10h (19-20h até 4h45). Apenas 6h (23h-4h45) delas em hospital e só depois de ter tido rotura da bolsa (22h +-), daquelas que ensopam tudo. Foi um parto fisiológico com métodos de alívio de dor naturais (bola de pilates, TENS, dizer palavrões e apertar a mão da Sandra até lhe caírem os dedos ou jurar para dentro que não conseguiria e que a cesariana era a melhor opção para mim). Na hora H levantei-me da cama, onde me pediram para estar por não conseguirem monitorizar os batimentos da Olívia comigo em pé ou de cóqueras, quando senti que ela ia sair. Tirei as cuecas e continuei a fazer força meio de pé meio agachada naqueles bancos para parir. E a Sandra acordou do seu “sono de beleza” e disse “já vejo a cabeça, enfermeira é agora”. Lá vieram elas e o Tiago. Respeitaram o meu plano de parto, interferiram o mínimo. Deixaram o cordão pulsar até não ter mais sangue antes de o cortar, a Olívia fez o breast crawl até à maminha, não a lavaram, mostraram-nos a placenta e alguma fisiologia da coisa. Foi lindo, foi respeitado e empoderador. Mal podia acreditar que tinha conseguido desta vez. Pensei que só a “boa experiência” me curasse das tristezas (para dizer levemente) do parto da Catarina. Com o tempo aprendi que não. Deu-me mais força, uma nova narrativa sobre mim, sobre o meu corpo, mais confiança, mais certezas. Mas a tristeza, mesmo alguma raiva de não poder re-escrever aquela entrada na maternidade continuava cá, muito ativa. Já lidei com isso em terapia e entendi que a ferida, chamada trauma, fica cá gravada e tem de ser conscientemente adressada e processada. É preciso calma, coragem para confrontar, empatia comigo. Talvez um dia alcance aceitação e paz completa, quem sabe.
A Jasmim vinha aí e a única opção que parecia fazer sentido, por permitir tanto doula como pai assistirem, permitia as irmãs conhecerem o novo membro da família assim que nascesse, renunciava aos chatos (e desnecessários) testes covid ou às máscaras, era o parto domiciliar, o parto em casa. Aqui é onde é mais difícil ter apoiantes à séria. Eu percebo. Há imenso desconhecimento do que é uma gravidez e partos fisiológicos, há muito medo da dor e dos raros desfechos menos positivos. Parte vem duma cultura de medo da dor em geral, que nos diz que devemos fazer todos os possíveis para eliminar qualquer tipo de dor e o mais rapidamente possível. Eu acredito que antes de um paracetamol é bom parar e tentar perceber o porquê, porque há sempre uma causa e essa dor pode ser um guia. Preciso de dormir mais? Comer melhor, excluir algo da alimentação, ver menos ecrãs? Transferiu-se o poder e capacidade de parir, algo tão natural, biológico e fisiológico para fora do corpo da mulher, que é exatamente de onde vêm todos os sinais do bebé e do trabalho de parto. Irónico não? Iniciamos o papel potencialmente maior, mais bonito e mais exigente das nossas vidas delegando a sua primeira tarefa, o parto. Don’t get me wrong, viva os hospitais, viva os obstetras, viva as operações, os métodos de exames complementares, métodos farmacológicos de alívio à dor. Mas tudo isso tem um tempo e lugar e esse lugar deveria ser para uma minoria das grávidas de baixo risco. O principal trabalho dos profissionais deveria ser providenciar informação ATUALIZADA (baseada em estudos científicos, revisões sistemáticas boas), incentivar o ganho de confiança das mães (e pais) nesta nova jornada. Confiança no seu corpo, nos seus instintos, e nos próprios profissionais de saúde, que idealmente se manteriam sempre por perto, mas na retaguarda. E respeitar as escolhas, mesmo que contrárias às suas recomendações. Um dos princípios básicos da bioética nos cuidados de saúde é o da autonomia e quando um profissional de saúde se aproveita do seu lugar de poder para 1) nem escutar o contexto cultural, pessoal e desejos da utente ou/e 2) persuadi-la através do medo para que ela siga as suas indicações esse princípio está a ser violado. Acho que há muito pouca consciência de que isto acontece IMENSO em medicina. IMENSO em obstetrícia. Culpa também nossa, dos leigos da população que assumimos que a obediência a certas profissões deve ser cega porque eles sabem mais. Sabem mais das competências técnicas e biológicas das coisas, sem dúvida, mas não sabem mais da nossa vida, da nossa pessoa, dos nossos medos, convicções ou experiências passadas. Um parto está longe de ser um ato médico. É pessoal, é social, é cultural e biológico. E cada uma destas áreas nos influencia à sua maneira. Deveria ser maioritariamente um ato, um momento, uma transição da mulher e vou mais longe dizendo que podia ser um momento familiar. Nas gravidezes de baixo risco. Será, também, mas não só, um ato médico se alguma intervenção for necessária. Roubar o lado pessoal (meaning maioritariamente conduzido por nós) desta experiência depriva-nos, a nós mulheres, de um momento crucial de conexão connosco próprias, de um nascimento saudável e empoderador de uma mãe que sabe ouvir os seus instintos. Não nos transforma em más mães obviamente, mas começamos o “jogo” de um lugar de menor escuta interna e confiança em nós próprias. Começamos logo com a ideia de que “se não fossem os outros” ai o que seria de nós e do nosso bebé.
O parto em casa exige imenso trabalho. Trabalho de investigação, de como funciona, de estatísticas, de cenários. Trabalho para saber onde estão os profissionais de saúde disponíveis e trabalho para encontrar algum disponível e com quem tenhamos empatia (fulcral neste processo). Exige termos capital porque o parto em casa é uma opção bem cara do ponto de vista do utilizador. Trabalho interno, tanto. Temos de perceber os nossos medos (a este ponto já depois de percebermos que as estatísticas que nos vendem da boca para fora não são reaisèos únicos dados que temos em Portugal que comparam mortalidade no parto entre parto hospitalar e domiciliar não têm em conta quantos partos domiciliares foram planeados, logo cá nem há estatísticas). Temos de visitar cada um dos medos e dúvidas um a um e confrontá-los de frente. Falar com a doula, com as enfermeiras, perguntar o que fazem em todo o tipo de situações. Temos de construir muita confiança em nós. Temos de saber o que nos fará ir para o hospital e ter tudo pronto para esse cenário. Temos de fazer essas pazes em avanço. Temos de enfrentar o nosso medo duma possível morte neonatal, mas mais que isso temos de conseguir assumir a responsabilidade. A morte acontece em qualquer local, mas saber que tínhamos um profissional a dar o tudo por tudo para salvar aquela pequena vida ao nosso lado dá-nos uma certa paz, não é? Ora vamos lá clarificar: eu também acho que o facto de os profissionais intervirem quando necessário salva vidas. Graças a eles. O que eu estou aqui a debater é o quando necessário. Infelizmente eles passaram a intervir muitíssimo mais e sem necessidade real (há inúmeros estudos e a maioria dos países têm práticas muito diferentes das nossas) com a desculpa da baixa de mortalidade neonatal. Mas nem as mulheres perderam a capacidade inata de parir desde há 100 nem as intervenções continuam a baixar a mortalidade. Há que aceitar que há e haverá sempre fatalidades mesmo em bebés. E não é o facto de intervirmos a mais que vai baixar esse número. Então qual é o problema? Realmente se não houvesse nenhum eu não estava para aqui com conversas. O problema é a quantidade de sequelas e morbilidades, faltas de respeito e violência obstétrica que ainda ocorrem em Portugal devido a esta mentalidade que sendo feito pelo profissional de saúde há mais ganhos. Na vasta maioria das mulheres, sendo que a maioria tem gravidezes de baixo risco, isto não é verdade.
Nós decidimos só contar esta nossa opção a um círculo muito reduzido de amigos e familiares que sabíamos não nos irem encher de mais medos. Bastavam os nossos.
Fizemos umas 3 reuniões com as enfermeiras, uma ou duas com toda a equipa (enfermeiras e doulas) para alinhar expectativas e procedimentos. A seu tempo reunimos todo o material pedido pelas enfermeiras parteiras. Tínhamos combinado que a partir das 40 semanas o contacto seria mais constante e se chegasse às 41 semanas mais ainda seria. Monitorização do batimento fetal, medir a tensão, saber se o bebé se mexia, apalpação da barriga, o meu estado geral. Um dos exames finais de gravidez preconizados no plano de vigilância materna é a recolha de um exsudado vaginal e anal para pesquisa da bactéria Streptococcus agalactiae (streptococcus grupo B ou GBS). A ideia por detrás é que mães que sejam positivas, ou seja, estejam colonizadas pela bactéria (que é frequentemente encontrada na flora vaginal transientemente) tomem antibiótico intravenoso na altura do parto para prevenir a passagem para o bebé quando passa no canal de parto. E consequentemente prevenir uma possível infeção ou morte do bebé pela bactéria. Razoável certo? se tivesse ouvido isto da boca de um médico sem me pôr a questionar, com a minha cabeça de microbiologista e epidemiologista, aceitava sem grandes questões. Mas como gosto de questionar e zelo pelo melhor possível para mim e para os meus, informo que 1) o facto de termos um resultado positivo para a bactéria não quer dizer que na altura do parto ela ainda lá esteja.
- a análise não distingue se a colonização é vaginal ou anal and last time I checked os bebés ainda não saem pelo rabo. Eu sei que é fácil haver contaminação fecal…still.
- mesmo tendo um resultado positivo longe de ser 100% certo que a infeção passa para o bebé (mas aqui entra a conversa do risco zero com que todos queremos viver)
- estamos a assumir que dar o antibiótico à mãe garantimos que não haja contaminação para o bebé e que este não desenvolva uma infeção grave. O pensamento apesar de lógico não tem suporte científico.
- Dando antibiótico à mãe estamos a destruir a sua flora natural e podemos também estar a prejudicar o bebé, impedindo a sua colonização por bactérias benéficas.
- como a toma de antibiótico é endovenosa estamos a restringir a mobilidade da mãe no parto, estamos a aumentar o estado de alerta se a questão das agulhas for um trigger, que pode dificultar a progressão natural do trabalho de parto.
- os antibióticos têm timings de atuação. Se uma mulher chega ao hospital e só tem menos de X horas até à expulsão (sendo X menos tempo do que o ideal para atuação do antibiótico), não faz sentido então a administração, sendo que a contaminação do bebé é na passagem do canal de Nestes casos a administração do antibiótico não parece apresentar qualquer vantagem. Mas os protocolos são estandardizados, iguais para todas as mulheres.
O meu resultado veio positivo. Decidimos fazer um tratamento caseiro para ver se a bactéria se ia embora (na gravidez da Olívia por exemplo o resultado tinha sido negativo) e repetir o exame. Voltou positivo. Por nós tudo ok, depois de tanta informação sabíamos que o risco de infeção continuava baixo e sentimos-nos confortáveis com o risco ainda existente (provavelmente não tão superior ao de ter a toma num hospital) e continuámos seguros na decisão do parto em casa. Ainda assim, as próprias parteiras mostraram alguma insegurança e questionaram a nossa decisão em prescindir do antibiótico. Conversámos em equipa e estava tudo bem.
Como tanto a Catarina como a Olívia tinham nascido depois das 41 semanas, também agora eu estava preparada para que isso acontecesse.
A data prevista de parto era 14 de Agosto. Na sexta feira 13, anos do pai Tiago, fomos passar o dia à Costa da Caparica na praia e jantamos por lá com a família. Eu sentia-me exausta. Parecia que não tinha onde ir ganhar forças e já tinha imensa vontade que a Jasmim nascesse e que o meu corpo voltasse a ficar mais confortável (mesmo que soubesse que outros inúmeros desconfortos e cansaços de seguissem). Sábado 14 quando fui à casa de banho de manhã percebi que estava com um pequeno corrimento, uma perda muito pequenina de líquido. Fui tendo sempre contrações de treino a gravidez toda e para já continuavam iguais. Uma das questões do parto em casa é o facto de não haver protocolos específicos (e diferentes dos dos hospitais) que dêem mais segurança e confiança aos profissionais de saúde. E em muitas situações eles regem-se pelos protocolos hospitalares, que valem o que valem e nem sempre (ou muitas vezes) fazem sentido. Um desses casos é de bolsa rota. O protocolo diz que se espere 18h (mais ou menos) antes de intervir e depois, por risco de infeção para o bebé, induz-se o trabalho de parto. E as nossas parteiras tinham esta alínea no “contracto” que fizeram connosco, que se passassem mais de 18h desde o início da bolsa rota que recomendariam irmos para o hospital. Ora no hospital só poderia ter ou o Tiago ou a Sandra, e todo um rol de restrições e imposições pelas quais não queria passar. Portanto este era o meu maior medo, que o meu trabalho de parto não se iniciasse espontaneamente e rapidamente depois de ter bolsa rota. Claro que não era tudo literal, as horas não teriam de ser só aquelas e a Sandra explicou o processo do seu parto domiciliar em que esperaram dois dias com bolsa rota e controlar tudo e teve um desfecho muito positivo. Mas portanto quando no sábado percebi que esta a ter uma pequena perda de líquidos, comecei progressivamente a stressar….esperei um pouco, para o meu tempo não estar a contar, pois sentia-me bem, apenas cansada e só à tarde enviei mensagem no grupo de WhatsApp com as parteiras e doula a contar. A parteira principal ligou-me e também estava tranquila e combinamos que no dia seguinte ela me vinha visitar. A Sandra também estava tranquila. Perguntou se cheirava a esperma, ao qual a resposta foi afirmativa. Pois esse é o cheiro característico do líquido amniótico. Passei esse sábado apesar de tudo num dark space. De medo e dúvida. Falei com amigas e uma enviou-me um podcast que me inspirou e acalmou sobre o parto em casa da host e processo mental pela qual ela passou para ultrapassar os seus medos e projetar positivamente os seus desejos para o parto. O Tiago saiu com a Olívia e com a Catarina ao final da tarde. Chorei deitada e fiquei um pouco melhor. A noite passou-se sem incidentes. No domingo a parteira foi visitar- nos, perguntou sobre as perdas e percebeu que era coisa pouca e que estava tudo bem. Ouviu o coração da Jasmim. Aproveitou para deixar o material para o parto lá em casa, só para o caso…eu não sabia se não seria cedo mas pronto. Ficámos de ir falando à mínima mudança. Durante o dia senti uma ou outra contração já mais dolorosa, mas nada por aí além. Talvez a coisa tivesse a começar. As miúdas estavam connosco, mas para também não ser uma seca para elas, que a minha disposição estava em baixo, a minha sogra veio buscá-las para um passeio. Mais ao final do dia falei com a Sandra e relatei o dia, ainda me sentia bem, nada de grandes dores. Perguntei se valia a pena ir andar para acelerar a coisa, mas ela disse que não. Que a noite aceleraria as coisas se fosse agora. Para descansar, se me sentia cansada.
Descansei no sofá, jantámos os dois e vimos um filme. Tranquilos, no sofá. Eu deitada. Um filme bonito (que agora não me lembro do nome). Ia ficando mais incomodada, mas nada de mais. Já no final do filme, lá para as 22h sentia que começava a ficar com mais contrações, mas não eram assim tão dolorosas nem constantes. Esperámos aí uma hora e depois sentimos que as coisas estavam a andar e que o melhor seria avisar a equipa que eu já estava com algumas contrações. Não tinha perdido rolhão mucoso. Entre as 23h e uma da manhã estivemos sozinhos, no quarto eu já a ficar bastante incomodada e a posição em que preferia estar era sentada na cama encantada à cabeceira. Com um resguardo por baixo de mim porque nas contrações começava a sair mais líquido e só para não encharcar a cama. Já estava a apertar bastante a mão do Tiago e a queixar-me. Ele tinha de me ajudar a ir à casa de banho. Quanto mais me mexia mais vinham as contrações e não tinha tempo para relaxar/recuperar. A posição de 4 com braços na cama, que tanto tinha usado no trabalho de parto da Olívia só me fazia doer mais a barriga e ter mais contrações. Sentia-me cansada. As parteiras chegaram, mediram tensão, tiveram um pouco connosco e prepararam as “coisas” (não sei bem o quê) na sala. A Sandra chegou um pouco depois e ficou connosco no quarto. Ia-me limpando o suor da testa ou pondo pachos de água na cabeça. Dando água de coco para hidratar. Segurando a minha mão, ouvindo os meus palavrões quando vinham as contrações. Doíam-me imenso na barriga. O Tiago a certa altura já estava cansado e deitou-se a dormitar lá na cama. Uma das vezes que voltei à casa de banho para mais um micro xixi, no penoso caminho só dizia “quero morrer..”. A certa altura, sentada na cama, a contração foi tão forte que rebentou a bolsa à grande e fiquei encharcada. Só aí começou a sair o rolhão mucoso. As parteiras não me fizeram um único toque e pouco vieram ao quarto. A certa altura, na mesma posição, senti que podia começar a fazer força. Mas desta vez contrariamente ao que aconteceu no trabalho de parto da Olívia, em que o fazer força aliviava estrondosamente as dores das contrações (horríveis) nas costas, estava a ser custoso e nada prazeroso ter de fazer força. Ou seja, a contração vinha e doía tanto e eu estava tão cansada que não encontrava energias para ainda me contrair mais. Mas sentia cá dentro que tinha de arranjar essa coragem e começar. Fui-me deitando, ironicamente. E fui fazendo força deitada, a certa altura de lado. Já estava a fazer aquela força de quem vai fazer um grande cocó. Eu só pensava que tinha de fazer força. A Jasmim vinha aí e estava a coroar. As parteiras também estavam no quarto. Escutaram o batimento da Jasmim com o doppler, tudo ok. E eu lá continuei a empurrar a sua cabeça para fora de mim, a muito custo na tal posição deitada lateralmente. Sentia que ela ia saindo, mas também voltando para trás. As palavras à minha volta eram encorajadoras. Iam descrevendo o que viam. Eu já sentia a sua cabeça cabeluda e húmida, aquela sensação estranha de ter uma bola de pêlos a sair pelo meio das minhas pernas. Precisava de fazer força com as pernas, empurrar e uma das enfermeiras estava a tentar ser essa “parede”. Mas eu fazia tanta tanta força que ela ia cedendo. Sentia-me sem um bom apoio e certa altura, na minha cabeça senti que já estava ali naquela brincadeira há tempo a mais e pensei “a minha bebé tem de sair porque não quero que lhe aconteça nada”. Tem de ser agora. Então reuni as poucas energias que tinha e pus-me de quatro. Aí consegui muito mais facilmente fazer força até que a cabeça dela saísse. Neste parto houve também cocó. Senti que ia sair e avisei para me limparem. As enfermeiras estão preparadas para a eventualidade. Lá consegui que a cabeça saísse. Uma sensação de alívio invadia-me e dizia-me que o mais difícil já estava, agora era só mais uma forcinha e saia o corpo. E assim foi. Na altura não senti nenhuma ajuda e pensei que ninguém tivesse tocado em nada. Lembro-me só de uma parteira dizer, mesmo ao início quando comecei a fazer força, para fazer devagarinho para não lacerar. Quando vi o vídeo do parto pela primeira vez percebi que uma parteira ajudou só a cabeça dela a sair na última parte. A Jasmim caiu para cima da cama. Tinha acabado de nascer e eram cerca de 3h45 da manhã. Elas diziam “pega no bebé, mas eu não tinha réstia de forças quase para me mover dali. Lá consegui virar-me e sentar-me com ajuda e passaram-me logo, logo a nossa linda bebé Jasmim. O Tiago tinha filmado a expulsão toda. Ao contrário das outras duas, ela vinha com os olhos muito fechadinhos. E assim ficaram todo o primeiro dia. Ali ficámos, parados os 3 no tempo. A chorar de alegria pela magia que é ver pela primeira vez um ser que concebemos e crescemos dentro de nós. Ver aquele sonho em pele e osso. Senti-los nos braços. Coberta de vernix e sangue. Ficámos só a saboreá-la. Tínhamos conseguido ter o parto que queríamos e isso vale a pena celebrar, respirar. O cordão que nos unia era curto então ficava a roçar na vagina e incomodava-me, não podia mexe-la muito. Esperámos que parasse de pulsar antes de o cortar. Penso que fui eu que o cortei. É estranho e temos um medo inato que esteja a aleijar a bebé. Pus a Jasmim logo na maminha quando começou a chorar para a acalmar. Ainda faltava a placenta sair e por isso precisava de fazer força outra vez. Essa parte é tão desagradável…canal de parto inchado e sensível e ainda falta a placenta. Mas lá saiu. Tivemos a vê-la, ver se estava intacta e guardámo-la congelada, depois de a ter posto numa cartolina para ficar com o seu desenho. Não tive praticamente lacerações nenhumas, algo mesmo mínimo. As parteiras ficaram connosco mais uma hora /duas horas a ver se estava tudo bem. Não deram à Jasmim a vacina da coagulação porque tínhamos decidido não dar. Foram arrumando tudo aos pouco e para as 6h da manhã foram embora. A Sandra ficou mais tempo, talvez até às 10h? Fiquei ali na cama com a Jasmim a tentar descansar, sempre a pôr-lhe a maminha na boca. Não era, ainda não é, daqueles bebés que ficavam horas K.O. a dormir. X em x minutos lá choramingava. Eu estava PODRE. Levantei-me sozinha para ir fazer xixi muito rápido, lá pelas 7h? Devia ter pedido ajuda, mas nem me lembrei que o levante era “uma coisa”. Fiquei só um pouco tonta na casa de banho, mas correu tudo bem. De manhã tomei logo banho para me lavar antes das manas chegarem. Soube muito bem. O Tiago descansou também um bocado, mas de manhã foi logo tratar dos lençóis sujos de sangue e lavar tudo. Por volta das 11h chegaram os avós paternos com as manas para a nossa primeira reunião familiar. Foi tão bom. A Catarina estava radiante. A Olívia ao ver o pai com o bebé nos braços desatou a chorar…vinha mais carente de ter dormido a noite fora, apesar de ter corrido bem. Gostava que elas tivessem estado também presentes, mas num parto noturno fica muito difícil. A minha sogra cozinhou e tratou da roupa. A Olívia foi fazer uma sesta enquanto a Catarina foi ver um filme na sala, comigo e Jasmim no sofá a dormitar. Ainda hoje ela se lembra do dia em que nasceu a Jasmim e ela viu um filme comigo na sala. À tarde vieram os meus pais e irmão conhecer o novo membro que ainda mal abria os olhos.
O teste do pezinho foi feito na sexta feira seguinte em nossa casa com uma das parteiras. No centro de saúde fomos bem recebidos e questionados se tinha sido planeado. Mas a médica de família não levou a mal não lhe ter contado.
Dia 16 de Agosto de 2021, uma segunda feira de madrugada nasceu a nossa caçula Jasmim e passamos a ser 5. Esta é a história da sua chegada. Um parto nosso, respeitado, em ambiente familiar e ao nosso ritmo. Vai para sempre ficar comigo como um dos melhores e mais especiais momentos da minha vida. Bem-vinda Jasmim. Amo-te imensamente e completas muito bem a nossa família. Serás mesmo a última bebé?